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Livros Semana de 1922

Mário de Andrade surge como gestor e missivista apaixonado em livros

No centenário da Semana de 1922, coletânea traz clássicos da estética modernista, já obra reeditada admira sua maturidade

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Se os lançamentos editoriais comemorativos do centenário da Semana de Arte Moderna são "trezentos, trezentos e cinquenta", é apenas justo que um naco deles tenha como personagem principal o homem que afirmou com essa fórmula famosa —e imodesta— a própria pluralidade.

O incansável polímata Mário de Andrade (1893-1945) é sem dúvida o principal esteio do movimento, enquanto o anárquico Oswald, que diante dele alternou papéis de aliado e desafeto, foi o grande bagunçador do coreto.

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'Retrato de Mário de Andrade', pintura de Tarsila do Amaral de 1922 que pertence ao Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo - Reprodução

Em termos editoriais, Mário leva pelo menos duas vantagens sobre Oswald no centenário da Semana: escreveu muito mais e, sobretudo, tem sua obra em domínio público desde 2016.

Mário é tema de dois lançamentos que, no todo ou em parte, lhe dão a palavra. Contrastantes entre si, exemplificam a diversidade de abordagens comportada por seus escritos.

O primeiro, "Mário de Andrade por Ele Mesmo", de Paulo Duarte, é a reedição de um livro que se tornou referencial para os estudos sobre o autor desde que foi lançado em 1971, às vésperas da celebração do cinquentenário da Semana. Trata do Mário missivista e gestor cultural.

O segundo, "Inda Bebo no Copo dos Outros", é uma coletânea recém-preparada de textos de Mário como crítico e escritor, na maioria clássicos, sobre a estética modernista.

Dos dois, "Mário de Andrade por Ele Mesmo" é o livro de maior peso, tanto no sentido literal quanto no metafórico. Polifônica, a obra tem como centro a troca de cartas entre Mário e Paulo Duarte (1899-1984), jornalista e escritor que foi um dos idealizadores do pioneiro Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, que Mário dirigiu com brilho de 1935 a 1938.

Encerrada pelo Estado Novo de modo traumático, a experiência de democratização do acesso a bens culturais liderada por Mário na gestão do prefeito Fábio Prado deixou marcas fundas tanto no autor de "Macunaíma" quanto em Duarte, que, perseguido pela ditadura, terminou por se exilar.

Nos textos memorialísticos com que cerca e contextualiza as cartas trocadas com Mário sobre o episódio —e também algumas que este endereçou a outros correspondentes, sobretudo Sérgio Milliet—, Duarte dá ao livro, abertamente, um tom de acerto de contas que passa muito longe de qualquer aspiração ao distanciamento histórico.

É isso que garante a "Mário de Andrade por Ele Mesmo" um calor e uma pulsação que levaram Antonio Candido, em prefácio da época mantido nesta edição, a declarar o livro "vivo, trepidante, apaixonado".

As mesmas características recomendam "alguma cautela na leitura, em vista do marcante teor subjetivo desse relato", que no entanto "ainda hoje constitui uma das principais fontes de informação a respeito" do Departamento de Cultura paulistano. As palavras constam do posfácio do crítico Flávio Rodrigo Penteado.

Sucinto, mas rico em informação, o posfácio introduz mais uma voz na polifonia do livro —voz necessária para dar conta do meio século transcorrido desde a primeira edição. Penteado coorganizou, com Carlos Augusto Calil, o livro "Me Esqueci Completamente de Mim, Sou um Departamento de Cultura", publicado pela Imprensa Oficial, de 2015, também sobre a experiência de Mário como administrador e formulador de política cultural.

Desiludido com sua cidade-natal, o autor de "Pauliceia Desvairada" mudou-se em 1938 para o Rio de Janeiro, onde, nas palavras de Duarte, se "suicidou aos poucos, matou-se de dor, revolta e angústia".

A biografia assinada por Jason Tércio, "Em Busca da Alma Brasileira", conta uma história menos funesta e mais nuançada desse período. De todo modo, não faltam indícios de que Mário jamais absorveu o golpe que a política aplicou no gestor apaixonado.

Enquanto o livro de Duarte trata de uma fase de maturidade do autor e se baseia principalmente no Mário missivista —um gênero em que ele teve produtividade assombrosa, tendo escrito algo em torno de 7 mil cartas—, "Inda Bebo no Copo dos Outros" fecha o foco no jovem crítico e criador em plena efervescência do período imediatamente antes e depois da Semana de 1922.

Com o subtítulo "Por uma Estética Modernista", o pequeno volume é uma coletânea que começa com a ótima série de artigos críticos de Mário sobre mestres da poesia parnasiana, de 1921, e termina com uma miscelânea de artigos, resenhas e notas de combate escritos para a revista modernista "Klaxon", o último deles de fins de 1922.

No miolo, dois textos manjados: o "Prefácio Interessantíssimo", que faz jus ao adjetivo, concebido em forma de manifesto irônico para introduzir os poemas de "Pauliceia Desvairada", também de 1922; e "A Escrava que Não é Isaura", ensaio doutrinário sobre poesia editado apenas em 1925, mas homônimo de uma conferência apresentada por Mário na Semana.

A isso o organizador Yussef Campos se limita a acrescentar um prefácio curto, econômico tanto em análise quanto em contextualização histórica. Se o livro é pouco indicado para estudiosos, seu valor para o público leigo interessado em travar um primeiro contato com as ideias estéticas do principal formulador do modernismo brasileiro não deve ser desprezado.

Mário de Andrade por Ele Mesmo

  • Preço R$ 99,90 (576 págs); R$ 64,90 (ebook)
  • Autoria Paulo Duarte
  • Editora Todavia

Inda Bebo no Copo dos Outros

  • Preço R$ 49,80 (224 págs); R$ 34,90 (ebook)
  • Autoria Mário de Andrade
  • Editora Editora Autêntica
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