Novo chefe da Biblioteca Nacional quer salvar Monteiro Lobato do cancelamento

Luiz Carlos Ramiro Júnior assume instituição focado nos eventos dos 200 anos da independência

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São Paulo

Para o novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, as formas mais altas de cultura são as que se aproximam de Deus. "O mais ateu pode entrar na Capela Sistina e ficar boquiaberto. Aquilo tem um vínculo sublime, a cultura tem essa elevação. Só o sublime religioso consegue ser maior do que essa capacidade de instigar que a cultura tem", afirma Luiz Carlos Ramiro Júnior, em entrevista por vídeo.

Estas frases poderiam ter sido ditas por Mario Frias, ex-secretário de Cultura do governo Bolsonaro, mas são do cientista social de 36 anos nomeado na metade de março como o chefe da mais antiga instituição cultural brasileira.

Criada há 212 anos a partir de uma grande coleção de livros da coroa portuguesa transferida para o Brasil, a entidade localizada no Rio de Janeiro é considerada pela Unesco uma das maiores bibliotecas nacionais do mundo, com acervo de cerca de dez milhões de itens.

Luiz Carlos Ramiro Júnior no dia de sua posse como presidente da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro - Fabio Rossi -4.abr.2022/Agência O Globo

Ramiro ascendeu ao posto indicado pelo olavista Rafael Nogueira, o antigo presidente da casa, depois de passar quase dois anos como coordenador do Centro de Pesquisa e Editoração. Uma de suas principais atividades no novo cargo será criar e levar a cabo uma série de ações em comemoração ao bicentenário da independência do Brasil, uma bandeira da Secretaria Especial da Cultura, dado que Ramiro coordena uma comissão formada para pensar a data.

Já estão ocorrendo lives sobre o tema desde 2020, ele conta, que devem ser materializadas em textos com temas como o ensino e a gramática no Brasil da independência, além do lugar dos índios naquele período. Está ainda previsto um dossiê digital sobre os panfletos, manuscritos e cartas da independência, materiais que geravam discussão pública à época e que hoje se encontram no acervo da biblioteca.

Outra missão sua é entregar, no segundo semestre, a primeira edição do prêmio Monteiro Lobato, que pretende ser a maior láurea da língua portuguesa dedicada à literatura infantojuvenil e deve funcionar nos moldes do prêmio Camões, escolhendo como vencedores autores dos países que falam a língua. Um dos desafios na implementação do prêmio, diz Ramiro, é enfrentar as críticas de racismo que Monteiro Lobato vem recebendo nos últimos anos.

"Sabemos dessa pressão. A nossa preocupação é fazer o contrário desse cancelamento, é fortalecer o autor, por conta do seu acervo, do que gerou ao país. O nosso papel enquanto Biblioteca Nacional é o fortalecimento desses grandes nomes da literatura", ele afirma, acrescentando que há bastante interesse, por parte de editoras estrangeiras, na obra de Monteiro Lobato. A Biblioteca Nacional, junto com o Itamaraty, financia traduções de autores brasileiros fora do país.

Conversando de sua casa no Rio de Janeiro, Ramiro fala de maneira calma e dá respostas longas e embasadas. Ele faz um preâmbulo começando no império e passando pela era Vargas antes de situar a eleição de Jair Bolsonaro no que chama de uma nova era —o que significa, em suas palavras, a superação de um condomínio partidário formado por PT, PSDB e PMDB, que dominava o Brasil desde os anos 1990.

Ele também cita a renovação dos quadros públicos, com servidores jovens atuando em Brasília, na casa dos 30 anos, ao passo que governos anteriores tinham funcionários bem mais velhos. "O que Jair Bolsonaro trouxe consigo", disse Ramiro em seu discurso de posse, "foi algo muito mais profundo do que uma vitória eleitoral, trata-se de uma quebra sem igual na história brasileira".

Sobre o mandato do ex-secretário Mario Frias, afirma que podem ter acontecido "uns exageros", mas que este foi o preço que a Secretaria Especial da Cultura pagou por mostrar "alguns absurdos" da Lei Rouanet. Frias cumpriu a promessa do governo de mexer no mecanismo de incentivo, ele diz, lembrando que a marca da gestão do ex-galã adolescente foi "bater de frente, e isso é difícil porque você encontra uma série de resistências".

Antes de entrar para o governo, Ramiro fez carreira acadêmica —graduado em ciência sociais e direito, tem mestrado e doutorado em ciência política e ganhou bolsas da Capes e do CNPq. Também deu aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Fiocruz, além de ter feito estágios no exterior.

Ao assumir o cargo, foi criticado pela antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz num post no Instagram. "É golpe todo dia! O que faz um professor de segurança pública na presidência da Fundação Biblioteca Nacional?", perguntou ela. Ramiro deu aula de segurança pública para policiais.

A crítica "é lamentável", ele responde. "Trata-se de uma figura importante no meio intelectual, ela faz isso sem me conhecer. A minha trajetória mostra algo completamente diferente. Eu achei um desrespeito, de uma insensibilidade muito grande. Segurança pública faz parte de uma ciência humana, embora não exista graduação em segurança pública. Não é palatável desmerecer um campo do conhecimento."

​​Luiz Carlos Ramiro Júnior, 36

Nascido em Joinville, em Santa Catarina, é graduado em ciências sociais e direito, com mestrado e doutorado em ciência política. É especialista em segurança pública. Tem um canal no YouTube no qual defende ideias conservadoras. Faz campanha para que o Rio de Janeiro seja a segunda capital do país, depois de Brasília

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