Ouro Preto ganha museu de arte barroca que destaca produção latina e asiática

Por meio de mais de mil peças, espaço reconstrói o percurso do estilo para além das icônicas igrejas de Minas Gerais

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Ouro Preto (MG)

A cidade histórica de Ouro Preto, destaque no barroco brasileiro, abriu ao público na última quinta-feira (14) um novo espaço que conta a história da arte barroca para além das igrejas de Minas Gerais. O Museu Boulieu traz em sua exposição mais de mil peças do barroco internacional, com destaque para obras de origem asiática e latino-americana.

As peças foram doadas pelo casal franco-brasileiro Jacques e Maria Helena Boulieu. A primeira parada dos visitantes é uma sessão dedicada aos dois, com um vídeo sobre a história do casal e um espaço de destaque para a primeira peça da coleção —uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, adquirida por eles em sua lua de mel na Bahia, no final da década de 1950.

Visitantes no interior do Museu Boulieu, em Ouro Preto
Visitante no interior do Museu Boulieu, em Ouro Preto - Ane Souz/Folhapress

A segurança e preservação do patrimônio também é uma das preocupações do espaço, já que Ouro Preto ainda se recupera da tragédia sofrida em janeiro, quando fortes chuvas provocaram o deslizamento de terras e destruíram um casarão histórico. O local possui uma parceria com a defesa civil municipal e com o departamento de geologia da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) para monitorar problemas geológicos e evitar novas tragédias.

O museu se propõe a apresentar os caminhos percorridos pelos portugueses e espanhóis no período das grandes navegações e ainda detalhar a forte influência da Igreja Católica na arte daquele período.

"As peças representam a produção imensa da arte barroca, que é atravessada pelas incursões dos países ibéricos. O encontro dos hispânicos e portugueses com vários desses povos foi marcado por massacres. A palavra 'encontro' aqui não pode ser destituída dessa criticidade", explica Nathália Santos, coordenadora do educativo do museu.

Durante a visita ao espaço, tem destaque a forma como a arte barroca é tratada —não como simples reprodução da cultura portuguesa e espanhola. Os povos locais também recebem influência dos países ibéricos e da Igreja, assimilando essas questões de formas diversas.

Nos primeiros passos, há uma parede tomada pela carta náutica de Cantino, uma das mais antigas a representar os descobrimentos marítimos portugueses. O grande mapa reforça a importância das grandes navegações para a expansão da arte barroca no mundo.

Ao fundo, ouvimos a voz de Maria Bethânia, dando o tom inicial para a visita. Recebendo o público há um vídeo no qual a cantora declama versos do poeta português Fernando Pessoa e trechos de ‘Os Lusíadas’, de Camões.

A exposição se divide de acordo com os caminhos percorridos pela arte barroca nas diferentes regiões do mundo. A primeira sala é dedicada aos países asiáticos, com destaque para obras das Filipinas, com influência espanhola, e de Goa, que teve colonização portuguesa.

Uma imagem de Nossa Senhora do Mar ganha destaque no centro do espaço. A obra reforça a importância dos santos e ícones religiosos como elementos de proteção e de comunicação, por meio de uma linguagem não verbal.

Outra seção foca os países andinos, como Bolívia, Peru e Equador. A presença da prata e da cerâmica nas obras de arte e nos utensílios desses povos chama a atenção.

A exposição também mostra que a presença de pinturas é mais frequente na produção barroca da América espanhola, enquanto imagens esculpidas aparecem com mais força na colonização portuguesa.

Chegando às obras brasileiras, o museu busca apresentar as diferenças entre as produções dos diversos estados. Na Bahia, há grande presença de folhagens nas imagens. Em Pernambuco, os tecidos das roupas apresentam uma configuração esvoaçante, enquanto no Maranhão as obras são mais retilíneas.

Na seção dedicada ao barroco de Minas Gerais há uma presença marcante dos santos de casa, por meio do uso de oratórios. Essa tradição representa o fim da exclusividade da arte sacra nas igrejas, recebendo um grande uso doméstico.

"O barroco busca uma aproximação do divino e do humano. Então, dentro dessa aproximação, muito mais que o intuito de aproximar, há a intenção de humanizar o divino também. E assim a gente tem uma expressão muito forte dos santos de casa", explica Nathália Santos.

A exposição encerra com um retorno à Nossa Senhora vinda do mar, por meio de orações na forma de canções do congado de Ouro Preto. A seção presta uma homenagem aos povos africanos e afrodescendentes que foram escravizados e tiveram grande influência na produção artística barroca.

De acordo com Zaqueu Astoni Moreira, presidente do Instituto Boulieu, o museu busca trazer outro olhar para o barroco, apresentando visões de diferentes povos espalhados pelo mundo. Um dos objetivos do espaço é fortalecer ainda mais a relação da população de Ouro Preto com a história e a cultura da qual a cidade faz parte.

"Os ideais de criação do museu são a difusão da arte, da educação, da cultura e do barroco, buscando uma proximidade com a comunidade de Ouro Preto. Esperamos que o museu possa ser um polo difusor e de discussão da cultura para a sociedade. O nosso primeiro desafio é fazer a comunidade se apropriar do Museu Boulieu", afirma o presidente.

A guia de turismo ouro-pretana Sueli Rutkowski, 52, quis conhecer o museu já no dia de sua inauguração. "A gente tem que ser mais rápido, nós como guias somos os anfitriões, então já temos que ter a informação de primeira para compartilhar com os visitantes", diz ela.

A guia de turismo Sueli visitando o museu
Sueli Rutkowski, guia de turismo, no hall de entrada do museu - Ane Souz/Folhapress

Segundo Sueli, o museu impressiona por sua estrutura moderna e atraente, além do vasto acervo de arte sacra vindo de diversos países. Para ela, o espaço possibilita muitas reflexões ao mostrar como os diferentes povos produziam e utilizam a arte em suas rotinas.

"Além das Américas, a gente viaja para outros mares, o que é muito interessante. O que eu gostei muito é que ele foca não só a visão do colonizador. É um conteúdo voltado para a arte sacra, sem dúvida, mas ele também traz esses objetos na visão do colonizado, que eu achei muito interessante", afirma a guia de turismo.

A criação do museu teve um custo de cerca de R$ 8,2 milhões. As despesas incluem investimentos como o projeto de restauração do prédio, a equipagem do museu, o inventário e o transporte do acervo. Os recursos vieram do Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Rouanet.

O projeto de restauração e a expografia é assinado pelo Instituto Pedra, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que desenvolve ações voltadas para o patrimônio cultural. A prefeitura de Ouro Preto cedeu o edifício para a instalação do museu e paga despesas com água, luz e segurança.

A manutenção do espaço e o projeto educativo e cultural do Museu Boulieu também são viabilizados pelo Instituto Cultural Vale, por meio de outra submissão na lei de incentivo à cultura.

Museu Boulieu

  • Quando Seg., qui., sex., sáb. e dom., das 10h às 18h; às qua., das 13h às 22h
  • Onde Rua Padre Rolim, Ouro Preto (MG)
  • Preço De R$ 5 (meia) a R$ 10 (inteira) e grátis (às quartas)
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