Saiba como artista japonês virou um mestre das fotos tremidas e desfocadas

Daido Moriyama, que registrou transformação do Japão no pós-guerra, ganha retrospectiva no IMS de São Paulo

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São Paulo, 2007

Foto tirada em São Paulo, durante estadia do fotógrafo na cidade em 2007 Daido Moriyama Photo Foundation

São Paulo

Celebrar a fotografia na era de sua reprodutibilidade técnica. Este parece ter sido o mote que norteou a carreira do fotógrafo japonês Daido Moriyama, com sua vasta produção de imagens para revistas de grande tiragem, fanzines e livros, aliada ao pensamento de que a fotografia deveria atingir a todos, e não ficar confinada nas paredes de museus e galerias, como um objeto solene a ser admirado por poucos.

Conhecido por suas fotos em preto e branco, granuladas e de alto contraste, Moriyama tinha algum parentesco com o artista pop Andy Warhol no sentido de entender a reprodutibilidade dos objetos como inerente à vida na sociedade capitalista da segunda metade do século 20.

'Shizuoka', foto de 1968 da série 'Um Caçador' - Daido Moriyama Photo Foundation

A diferença é que, ao contrário das serigrafias supercoloridas e algo otimistas do americano, o japonês produzia fotografias soturnas dos mesmos temas, como as latas de sopa Campbell, numa perspectiva crítica ao capitalismo.

"É meio uma bomba atômica, uma coisa depressiva. O Daido tinha artistas americanos como ícones mas vivia o Japão sendo destruído pelo consumo, sendo enriquecido pelo consumo, sendo modificado, as tradições, o modo de vida, as cidades", afirma Thyago Nogueira, curador de uma grande retrospectiva de Moriyama que abre neste sábado (9), no Instituo Moreira Salles de São Paulo.

A exposição reúne mais de 250 trabalhos do influente fotógrafo, hoje com 83 anos, perpassando toda a sua carreira —o início registrando a ocupação americana no Japão do pós-guerra e grupos de teatro experimental, o desenvolvimento da linguagem fotográfica que viria a se tornar sua assinatura, nos anos 1970, com a publicação de trabalhos seus na revista "Provoke", e a documentação da vida em grandes cidades ao redor do mundo, a partir dos anos 1980, em caminhadas nas quais clicava no impulso, sem nem usar o visor da câmera para saber o que estava fotografando.

"Tudo o que compõe uma cidade —pessoas, coisas, construções, paisagens— é de grande interesse para mim", diz o fotógrafo, numa entrevista bem curta concedida por e-mail. Ele registrou Tóquio incansavelmente, sua Osaka natal, Paris, Nova York, Buenos Aires e São Paulo, onde passou uma temporada em 2008 por ocasião do centenário da imigração japonesa no Brasil.

Está também exposta uma série pouco vista de suas fotografias coloridas, incluindo uma de suas imagens mais famosas, a de uma prostitua correndo em direção aos fundos de uma viela, tirada numa das bases americanas no Japão.

Um dos desafios da mostra, conta o curador, era como expor no ambiente solene de uma instituição fotografias que circularam sobretudo em revistas e livros, impressas em papéis e tamanhos diferentes ao longo dos anos. Uma das soluções encontrada foi colocar nas paredes, ao lado das ampliações, reproduções das páginas nas quais as imagens foram publicadas originalmente.

Outra foi ampliar as páginas do fotolivro "Adeus Fotografia" e colar todas na parede, uma ao lado da outra, de modo que o público veja o livro aberto e em grande formato. Publicada no início dos anos 1970, a obra, feita a partir de negativos que estavam sobrando no estúdio do artista, marca o desencanto de Moriyama com seu ofício, depois de investigar durante um ano o papel da fotografia como documento da realidade.

O livro reforça a ideia de que a fotografia é bidimensional, de que ela não vai transformar o mundo, não pode oferecer nada além dela mesmo, comenta o curador.

Tóquio, 1971
Foto tirada em Tóquio, em 1971 - Daido Moriyama Photo Foundation

"Adeus Fotografia" ainda encapsula a estética que tornou o artista conhecido, com imagens reticuladas, enquadramentos incomuns e zonas escuras e de sombra. Ao responder a uma questão sobre o que o atraiu para a vertente mais experimental do ofício, ​Moriyama parece não se preocupar com rótulos.

"Ao fotografar o mundo como ele é, pode ser que essa seja a impressão que fica [a de fotografia experimental]. Essa noção de fotografia granulada, tremida e desfocada foi uma nomenclatura dada por pessoas a posteriori. Na época, eu não tinha essa consciência."

Daido Moriyama: Uma Retrospectiva

  • Quando De 9 de abril a 14 de agosto; terça a domingo, das 10h às 20h
  • Onde IMS, av. Paulista, 2424, São Paulo
  • Preço Grátis
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