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Vender apenas livros e dispensar as bugigangas fez a Barnes & Noble se reerguer

Rede que enfrentou crise com a chegada da Amazon tem bons resultados após reformar lojas e estratégia durante a pandemia

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Elizabeth A. Harris
The New York Times

Depois de anos em declínio, a cadeia de livrarias americana Barnes & Noble está registrando alta de vendas —e as mesmas pessoas que por décadas viram a supercadeia como supervilã agora estão comemorando seu sucesso.

No passado, o império de venda de livros, que tinha 600 lojas espalhadas pelos 50 estados americanos, era visto por muitos leitores, escritores e amante dos livros como uma organização que pressionava as editoras e devorava livrarias independentes, em sua busca por aumentar sua participação de mercado.

Vista da nova livraria Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts - Cody O'Loughlin/The New York Times

Hoje, o setor editorial virtualmente inteiro está torcendo pela Barnes & Noble —e isso inclui a maioria das livrarias independentes. O papel único da empresa no ecossistema de livros, no qual ela ajuda os leitores a descobrir títulos novos e as editoras a manter seu interesse em lojas físicas, faz da empresa uma âncora essencial em um mundo desordenado pelas vendas online e por um concorrente de porte muito maior: a Amazon.

"Seria um desastre se eles fechassem as portas", disse Jane Dystel, agente literária cujos clientes incluem Colleen Hoover, que tem quatro livros na lista de best-sellers do The New York Times na segunda semana de abril. "Há um medo real de que, sem essa cadeia de livrarias, os negócios das editoras sofreriam uma grande queda."

A pandemia colocou obstáculos significativos no caminho da Barnes & Noble. Por quase dois anos, não houve sessões de leitura por autores nem noite de autógrafos de escritores na maioria de suas lojas. O movimento dos cafés que existem nelas continua em forte queda. E em dezembro, quando a temporada de compras de festas chegou, a variante ômicron também apareceu.

Muitas das lojas da empresa em áreas urbanas continuam a apresentar desempenho inferior à norma, por conta da escassez de turistas e da baixa presença de trabalhadores de escritório nas áreas em que estão instaladas.

Cliente na nova livraria Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts - Cody O'Loughlin/The New York Times

A despeito disso tudo, as vendas da Barnes & Noble subiram em 3% no ano passado, ante seu desempenho anterior à pandemia em 2019. O crescimento veio da forma tradicional, disse James Durant, o presidente executivo da empresa: com as vendas de livros, que subiram em 14%.

"Eu jamais teria previsto isso no começo do ano", disse Daunt, "mas o resultado foi excelente".

O inimigo do meu inimigo é meu amigo

Por muitos anos, a hostilidade com relação à Barnes & Noble era tão forte nas livrarias independentes que isso conseguiu até fazer de Tom Hanks um vilão, embora charmoso.

Esse sentimento foi capturado no filme "Mens@gem para Você", de 1998. Coescrita e dirigida por Nora Ephron, a história gira em torno do dono de uma grande cadeia de livrarias, interpretado por Hanks, que força a livreira independente Meg Ryan, muito querida em Manhattan, a fechar as portas de sua loja. (Além disso, os dois são adoráveis e se apaixonam um pelo outro.)

De volta do mundo da não ficção, a Associação de Livreiros Americanos, que representa as livrarias independentes dos Estados Unidos, abriu um processo antitruste contra a Barnes & Noble na década de 1990. Alguns anos antes disso, a organização havia processado diversas editoras, afirmando que eles facilitavam a concorrência desleal ao cobrar preços mais baixos do que as grandes cadeias de livrarias.

Uma atendente em uma nova livraira Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts
Atendente em uma nova livraria Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts - Cody O'Loughlin/The New York Times

"Houve um período no qual a concorrência era feia", disse Oren Teicher, antigo presidente da Associação de Livreiros Americanos. "A Barnes & Noble era percebida não só como inimiga mas como símbolo de tudo que existia de errado no mundo do comércio de livro por grandes empresas."

Mas, com o tempo, todas as livrarias descobriram ter um "inimigo comum", disse Teicher: a Amazon.

A Barnes & Noble cresceu de uma única livraria em Manhattan, fundada em 1917, e se tornou um concorrente dominante ao oferecer descontos na venda de best-sellers, a fim de atrair compradores. E, quando visitavam uma de suas lojas, os consumidores encontravam uma seleção enorme de títulos, às vezes mais de 100 mil livros, a maioria dos quais vendidos sem descontos.

Quando a Amazon surgiu, a nova concorrente usou uma jogada parecida com a da Barnes & Noble, mas a levou além, com descontos maiores e uma seleção aparentemente infinita de livros.

Comprar um livro que você vê online é fácil. Basta uma busca. Um clique. A compra está feita. O que é perdido no processo são as descobertas acidentais, o livro que alguém decide comprar em uma livraria por causa da capa, ou aquela edição de bolso vista em uma passagem pela seção de livros de mistério.

Ninguém descobriu como reproduzir online essa forma de descoberta incidental. O que torna as livrarias imensamente importantes não só para os leitores, mas também para todos —exceto os mais famosos escritores, bem como para agentes literários e editoras de todos os portes.

Cliente na nova livraria Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts - Cody O'Loughlin/The New York Times

As lojas independentes desempenham papel importante em descobertas desse tipo, mas, porque as lojas da Barnes & Noble são tão grandes, elas conseguem manter mais títulos em estoque. E em muitas partes dos Estados Unidos, não existem livrarias independentes: a Barnes & Noble é a única livraria da cidade.

"A descoberta é muito, muito importante", disse Daniel Simon, fundador da editora independente Seven Stories Press. "Quando mais cresce a fatia de mercado da Amazon, menos descobertas acontecem, em termos gerais, e menos vozes novas terão a oportunidade de ser ouvidas."

Para os escritores bem conhecidos, a Barnes & Noble é importante por motivo diferente —seu tamanho. Paradas importantes em qualquer turnê de divulgação de livro, as 600 lojas da companhia podem fazer encomendas enormes e vender grande número de cópias.

"É engraçado como o setor evoluiu de uma maneira que agora faz deles bons sujeitos", disse Ellen Adler, editora que comanda a New Press, uma empresa independente. "Eu diria que a reabilitação deles foi completa."

A companhia também faz com que as editoras continuem interessadas em distribuir exemplares físicos em todo o país, disse Kristen McLean, diretora executiva de desenvolvimento de negócios na NPD Books, que acompanha o mercado editorial.

Uma livraria não é uma loja de pilhas

Em 2018, o conselho da empresa decidiu demitir seu presidente executivo, o quarto a ocupar o posto em cinco anos. Pessoas no setor estavam preocupadas com a possibilidade de que a maior cadeia de livrarias dos Estados Unidos fechasse as portas.

Na metade do ano seguinte, o fundo de hedge Elliott Advisors adquiriu a empresa por US$ 638 milhões e colocou Daunt no comando.

Livreiro respeitado, que abriu a primeira loja Daunt Books em Londres em 1990, Daunt tinha sido contratado para resolver problema semelhante na cadeia britânica de livrarias Waterstones, a maior do país. A empresa estava à beira da falência quando ele assumiu o comando, em 2011. A teoria dele era a de que as lojas de cadeias de varejo deveriam agir menos como parte de uma rede e mais como livrarias independentes, com liberdade semelhante para adequar suas ofertas às preferências locais. A ideia funcionou, e a Waterstones saiu do vermelho.

Daunt usou a mesma abordagem na Barnes & Noble. Antes os pedidos para as lojas espalhadas pelo país eram feitos por um escritório central em Nova York, mas hoje o escritório central, menor, faz apenas um mínimo de pedidos de livros novos, deixando os administradores das lojas locais livres para aumentar os pedidos de certos títulos baseados em resultados locais de vendas.

"Eu fico com a glória, mas na verdade o que faço é sair do caminho das pessoas e permitir que elas operem livrarias decentes", disse Daunt. "O trabalho todo é feito pelas lojas individuais."

"Estávamos vendendo muitas coisas irrelevantes para uma livraria", disse Daunt. "Ninguém pensa ‘preciso de uma pilha Duracell —vou à livraria’."

A empresa reforçou sua coleção de mangás, garantindo o estoque necessário para atender à explosão de demanda surgida nos últimos anos, de acordo com Shannon DeVito, diretora de livros da empresa. Também presta atenção aos livros que ganham destaque no TikTok, onde vídeos virais de leitores chorando por conta dos livros que amam levaram muitos títulos à lista de best-sellers.

Estante de não ficção na nova livraria Barnes and Nobles em Hingham, no estado americano do Massachusetts - Cody O'Loughlin/The New York Times

A Barnes & Noble, além disso, parou de aceitar pagamento de editoras para colocar livros em lugares de destaque em suas lojas, como as vitrines ou perto da entrada. Daunt disse que a prática parecia um jeito fácil de ganhar dinheiro, mas causava uma sucessão de problemas: livros que ninguém queria comprar eram exibidos com destaque, e grande número deles terminavam devolvidos. (Uma excentricidade do mercado de livros é que exemplares não vendidos podem ser devolvidos às editoras, com restituição plena do dinheiro pago, uma prática que data da Grande Depressão. Os custos de transporte e armazenagem podem ser altos.)

Agora, os gerentes das lojas têm autonomia para escolher que livros desejam promover.

"Ainda que pareça que estamos erguendo as mãos aos céus piamente e dizendo que ‘por favor, não me deem dinheiro’", disse Daunt, "na verdade o que dissemos foi que não queríamos arcar com todos os custos associados a aceitar aquele dinheiro, isso sem nem mencionar o fato de que a prática nos levava a operar livrarias realmente horríveis".

Depois de passar por anos de descuido e pouca preocupação com a aparência, a Barnes & Noble começou a reformar suas lojas, muitas das quais não substituíam seus carpetes há 15 anos; pouco depois de se tornar presidente, Daunt disse que as lojas da Barnes & Noble eram "meio feinhas".

Quando a empresa fechou todas as suas lojas em 2020 por conta da pandemia, usou a pausa para se refrescar. Paredes foram pintadas. Móveis foram rearranjados. Alguns mostruários volumosos foram substituídos por mesas menores. E, no final do ano passado, a cadeia começou uma redecoração mais ampla.

Os negócios online da Barnes & Noble também melhoraram. O segmento cresceu em 35% com relação ao nível anterior à pandemia, disse Daunt, embora responda por apenas 10% das vendas totais das lojas. Depois de anos de baixo investimento em seu leitor eletrônico Nook, a empresa começou a investir de novo. Recentemente, o app do Nook foi redesenhado, e uma nova versão do aparelho foi lançada antes das festas do ano passado.

A reorganização da Barnes & Noble não foi indolor. A equipe do escritório central foi reduzida à metade, estimou Daunt. Boa parte dessa redução aconteceu por meio de demissões, o que incluiu a demissão de muitos compradores de livros, cujas funções passaram a ser exercidas pelas unidades locais.

Mas a redução de sua equipe central permitiu que a empresa abrisse mão de dispendiosos escritórios em Nova York. A equipe restante ocupa dois andares da loja base da Barnes & Noble na Union Square, em Manhattan, um espaço pelo qual a empresa já pagava aluguel.

Restam muitas questões sobre o futuro da Barnes & Noble. Os custos estão crescendo no negócio dos livros, que já tem margens de lucro baixas, para começar. E como todas as empresas de varejo físico, a Barnes & Noble precisa convencer mais consumidores a deixar de comprar tudo com seus celulares.

Mas o vento é favorável, no momento, porque as vendas gerais do setor estão em alta. Com tanta gente trancada em casa em 2020, as compras de livros cresceram. Com a retomada das atividades nos Estados Unidos, as editoras previam uma queda de vendas para níveis semelhantes aos que existiam antes da pandemia. Mas até agora isso não aconteceu.

Usualmente, disse McLean, da NPD Books, vendas fortes são provocadas por lançamentos de livros de grande sucesso escritos por autores conhecidos e, embora haja alguns deles a caminho das lojas este ano —Marie Kondo lançará um livro no quarto trimestre sobre como organizar a vida ideal—, não houve grandes lançamentos recentemente. Hoje, é algo mais que está por trás de todas aquelas compras.

"No momento", disse Daunt, "o que propele as compras é o entusiasmo pela leitura".

Tradução de Paulo Migliacci

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