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Cinema Ásia

'A Médium' aposta em falso documentário que não causa muito impacto

A atriz Narilya Gulmongkolpech tem crises de fúria repentina que dão tons inusitadamente cômicos ao longa tailandês

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A Médium

  • Quando Tailândia, 2022
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Na Hong-jin e Choi Cha-won
  • Direção Banjong Pisanthanakun

No Ocidente, a principal referência que se tem do cinema feito na Tailândia é Apichatpong Weerasethakul, cineasta de longas admiráveis como "Mal dos Trópicos" e "Cemitério do Esplendor". Seus filmes exploram as esotéricas paisagens da região de Isan, onde o cineasta cresceu e cujo misticismo o inspira —espiritualidade e xamanismo são temas recorrentes em sua filmografia.

O apreciador da obra do tailandês reconhecerá esses mesmos elementos no longa "A Médium", de seu compatriota Banjong Pisanthanakun, que se passa na mesma região e também fala sobre espíritos e xamãs. No entanto, com uma chave estética e intenções bastante distintas.

O filme começa como um documentário sobre líderes espirituais de Isan, com foco específico em Nim, uma simpática xamã que diz conseguir ajudar os locais a se curarem de doenças. "Mas, se alguém me aparece aqui para eu sarar um câncer, certamente morrerá", ela diz, aos risos, mostrando que não tem interesse em contar vantagens nem enganar a câmera; tem poderes, mas não opera milagres.

pôster de filme
Cena do filme 'A Médium', de 2022, dirigido pelo tailandês Banjong Pisanthanakun - Divulgação

As cenas do início parecem de fato registros da rotina em aldeias de Isan, e as imagens possuem uma aura enigmática que sugere que talvez de fato exista, ali, uma força mística especial. Mas em dez minutos de filme, de repente o espectador começa a se tocar de que há um trabalho de encenação –as pessoas jamais estranham a presença da câmera, o som é sempre de boa qualidade (mesmo nas falas de personagens sem microfone), e a naturalidade das primeiras cenas por vezes some. O tom documental abre caminho ao cinema de gênero —e se torna um filme de terror.

Na trama, a xamã Nim percebe que sua sobrinha pode estar possuída por espíritos malignos. Tenta descobrir o que está acontecendo com a jovem, que fica cada vez mais agressiva, com comportamentos inexplicáveis –tem de vez em quando atitudes de uma criança, embora por vezes seja um vulcão sexual.

O cinema de horror é, por natureza, exploratório, então não é exatamente uma surpresa um certo sensacionalismo visual de "A Médium" sobre o corpo da atriz que interpreta a possuída. Quando ela fica repentinamente hostil com quem a rodeia, é até um pouco engraçada –a atriz Narilya Gulmongkolpech tem crises de fúria repentina que dão tons inusitadamente cômicos ao longa.

Mas o filme se detém por muito tempo sobre a degradação física da moça. Ela tem recorrentes sangramentos vaginais, vomita um líquido negro enquanto está amarrada a uma cama, diz frases sexualmente agressivas a um tio, urina em cima da mesa de jantar. Nada tão longe de como o corpo feminino vem sendo apresentado na tela desde que o cinema de horror surgiu, mas aqui às vezes se vai um pouco além da conta. São cenas assustadoras, porém.

O teórico Kendall Walton diz que nenhum espectador sente verdadeiramente pânico diante de um filme de horror, mas sim o que ele chama de "quase medo" –um sentimento de quem se sabe seguro na poltrona, mas que aceita o jogo proposto pelo filme, performando para si próprio estar tomado por pavor.

Em "A Médium", o espectador sente em vários momentos esse "quase medo", mas precisa de um esforço extra para se entregar a uma eventual "quase crença" de que há algum aspecto de fato documental na história. O invólucro de "fatos reais" que abarca a trama nunca é de fato convincente –aliás, a opção pelo falso documentário pouco ou nada adiciona ao filme em termos de impacto.

O longa segue os passos de obras canônicas desse estilo de terror de "found footage", como "A Bruxa de Blair" e "Atividade Paranormal". Por vezes, segue até demais. Há dois trechos em que ambos os filmes são não exatamente "citados" –mais adequado seria dizer "copiados".

Os diretores tailandeses Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, em festival em Barcelona
Os diretores tailandeses Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom, em festival em Barcelona - Jaume Sellart/EFE

No trecho final, há reviravoltas curiosas, que desembocam num acúmulo de carnificina que faz o filme assumir o subgênero "gore", com canibalismo e, é claro, rios de sangue. O longa se torna então exaustivamente violento, embora o diretor seja, em geral, tecnicamente eficaz.

Há algo de incômodo, porém, no tratamento que Pisanthanakun faz sobre a questão espiritual dos moradores de Isan. Não que ele ridicularize a fé daquela população, mas tampouco parece suficientemente respeitoso com sua religiosidade.

No final, com tanto sangue jorrando, o filme parece ter uma lição –os cineastas urbanos, que teriam ido ali explorar com suas câmeras o exotismo daquela comunidade, talvez tenham brincado com fogo e desdenhado dos verdadeiros espíritos da floresta. Mas, até aí, o que Pisanthanakun faz em seu próprio filme também não é lá tão diferente, em essência.

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