No Ocidente, a principal referência que se tem do cinema feito na Tailândia é Apichatpong Weerasethakul, cineasta de longas admiráveis como "Mal dos Trópicos" e "Cemitério do Esplendor". Seus filmes exploram as esotéricas paisagens da região de Isan, onde o cineasta cresceu e cujo misticismo o inspira —espiritualidade e xamanismo são temas recorrentes em sua filmografia.
O apreciador da obra do tailandês reconhecerá esses mesmos elementos no longa "A Médium", de seu compatriota Banjong Pisanthanakun, que se passa na mesma região e também fala sobre espíritos e xamãs. No entanto, com uma chave estética e intenções bastante distintas.
O filme começa como um documentário sobre líderes espirituais de Isan, com foco específico em Nim, uma simpática xamã que diz conseguir ajudar os locais a se curarem de doenças. "Mas, se alguém me aparece aqui para eu sarar um câncer, certamente morrerá", ela diz, aos risos, mostrando que não tem interesse em contar vantagens nem enganar a câmera; tem poderes, mas não opera milagres.
As cenas do início parecem de fato registros da rotina em aldeias de Isan, e as imagens possuem uma aura enigmática que sugere que talvez de fato exista, ali, uma força mística especial. Mas em dez minutos de filme, de repente o espectador começa a se tocar de que há um trabalho de encenação –as pessoas jamais estranham a presença da câmera, o som é sempre de boa qualidade (mesmo nas falas de personagens sem microfone), e a naturalidade das primeiras cenas por vezes some. O tom documental abre caminho ao cinema de gênero —e se torna um filme de terror.
Na trama, a xamã Nim percebe que sua sobrinha pode estar possuída por espíritos malignos. Tenta descobrir o que está acontecendo com a jovem, que fica cada vez mais agressiva, com comportamentos inexplicáveis –tem de vez em quando atitudes de uma criança, embora por vezes seja um vulcão sexual.
O cinema de horror é, por natureza, exploratório, então não é exatamente uma surpresa um certo sensacionalismo visual de "A Médium" sobre o corpo da atriz que interpreta a possuída. Quando ela fica repentinamente hostil com quem a rodeia, é até um pouco engraçada –a atriz Narilya Gulmongkolpech tem crises de fúria repentina que dão tons inusitadamente cômicos ao longa.
Mas o filme se detém por muito tempo sobre a degradação física da moça. Ela tem recorrentes sangramentos vaginais, vomita um líquido negro enquanto está amarrada a uma cama, diz frases sexualmente agressivas a um tio, urina em cima da mesa de jantar. Nada tão longe de como o corpo feminino vem sendo apresentado na tela desde que o cinema de horror surgiu, mas aqui às vezes se vai um pouco além da conta. São cenas assustadoras, porém.
O teórico Kendall Walton diz que nenhum espectador sente verdadeiramente pânico diante de um filme de horror, mas sim o que ele chama de "quase medo" –um sentimento de quem se sabe seguro na poltrona, mas que aceita o jogo proposto pelo filme, performando para si próprio estar tomado por pavor.
Em "A Médium", o espectador sente em vários momentos esse "quase medo", mas precisa de um esforço extra para se entregar a uma eventual "quase crença" de que há algum aspecto de fato documental na história. O invólucro de "fatos reais" que abarca a trama nunca é de fato convincente –aliás, a opção pelo falso documentário pouco ou nada adiciona ao filme em termos de impacto.
O longa segue os passos de obras canônicas desse estilo de terror de "found footage", como "A Bruxa de Blair" e "Atividade Paranormal". Por vezes, segue até demais. Há dois trechos em que ambos os filmes são não exatamente "citados" –mais adequado seria dizer "copiados".
No trecho final, há reviravoltas curiosas, que desembocam num acúmulo de carnificina que faz o filme assumir o subgênero "gore", com canibalismo e, é claro, rios de sangue. O longa se torna então exaustivamente violento, embora o diretor seja, em geral, tecnicamente eficaz.
Há algo de incômodo, porém, no tratamento que Pisanthanakun faz sobre a questão espiritual dos moradores de Isan. Não que ele ridicularize a fé daquela população, mas tampouco parece suficientemente respeitoso com sua religiosidade.
No final, com tanto sangue jorrando, o filme parece ter uma lição –os cineastas urbanos, que teriam ido ali explorar com suas câmeras o exotismo daquela comunidade, talvez tenham brincado com fogo e desdenhado dos verdadeiros espíritos da floresta. Mas, até aí, o que Pisanthanakun faz em seu próprio filme também não é lá tão diferente, em essência.
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