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Cinemateca reabre com coro de 'fora, Bolsonaro' e jovens de camiseta do Zé do Caixão

Mais de 500 pessoas lotaram jardim da instituição em São Paulo, que estava abandonada havia um ano e meio

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São Paulo

Dezenas de jovens de preto vestindo camiseta de filme de terror encheram a Cinemateca Brasileira para a reabertura da instituição, nesta sexta-feira (13). O filme da noite, exibido num telão ao ar livre num jardim aos fundos da instituição, fez jus à fama mística da data —"A Praga", obra inédita de Zé do Caixão.

"Era muito necessário reabrir para o público, porque uma das funções da Cinemateca é essa, ter o público dentro assistindo a filmes", diz Maria Dora Mourão, a diretora da instituição. A reabertura marca o fim de um hiato de cerca de 17 meses nos quais o antigo matadouro que sedia o maior acervo do audiovisual brasileiro ficou fechado, devido a uma série de imbróglios com o governo.

Público lota a Cinemateca Brasileira no dia de sua reabertura - Adriano Vizoni -13.mai.2022/Folhapress

O friozinho de 17 graus e o vento manso não espantaram o público. Havia mais pessoas do que as 500 cadeiras disponíveis, de modo que os funcionários da Cinemateca colocaram dezenas de assentos extras —quem não conseguiu sentar se acomodou como pôde na grama ao redor. O filme foi mostrado numa tela de cinema presa à uma estrutura de metal, em meio ao verde do jardim.

O média metragem "A Praga" era tido como um filme perdido de Zé do Caixão e foi finalizado pelo produtor Eugênio Puppo após a morte do cineasta, em 2020. "[O filme] poderia nunca ter sido recuperado e exibido. Este filme, assim como a instituição em que estamos agora, são exemplos do princípio de que preservar o cinema é preservar a nossa memória, mesmo com o corte de incentivos por parte de governos que não entendem a importância do trabalho de preservação audiovisual", disse Puppo, em fala para a plateia antes da exibição.

Ele então emendou um "fora, Bolsonaro", aplaudido e repetido em coro pelo público. "Ninguém aguenta mais", acrescentou. O fim de semana na Cinemateca segue com uma mostra dedicada a José Mojica Marins, o Zé do Caixão, marcando a estreia dos novos nomes das salas de exibição, chamadas agora de Oscarito e Grande Otelo.

Um dos momentos mais marcantes da abertura foi a fala de Crounel Martins, filho de Zé do Caixão, que lembrou como a Cinemateca vem guardando e preservando a obra de seu pai desde os anos 1990, após o cineasta ter recusado uma oferta da cinemateca francesa para que sua obra fosse mantida lá. Ele também fez críticas veladas ao governo.

"Nem tudo o que possam fazer contra a cultura, seja nazismo, fascismo, qualquer outro totalitarismo, não poderão destruir a cultura. A destruição não é o maior problema, porque tentar enjaular a cultura é até pior do que tentar destruir a cultura. Um pássaro na gaiola não é realmente um pássaro. Uma cultura com censura, limitações, não é a verdadeira cultura de um povo. A Cinemateca nos representa como seres humanos produtores de cultura."

​A reabertura acontece cerca de nove meses depois do incêndio que consumiu parte do acervo do depósito da instituição, um galpão na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, que segue interditado até hoje. Mas antes desta tragédia a Cinemateca já vinha enfrentando uma paralisação.

O órgão ficou 16 meses sem gestão direta e viu a demissão repentina do corpo técnico, fruto de um imbróglio envolvendo Ministério da Educação e Secretaria Especial da Cultura. Repleta de materiais que demandam acompanhamento rotineiro, a paralisação pôs em risco importantes registros da história do audiovisual brasileiro.

A atual gestora, a Sociedade dos Amigos da Cinemateca, a SAC, chegou à sede na Vila Mariana em novembro, e preparou tudo para a reabertura desta sexta.

Retomar a programação de filmes e mostras é só o primeiro passo. Em paralelo, há um trabalho sendo desenvolvido de cuidado do acervo de cerca de 3.000 filmes com película de nitrato de celulose, material com alto risco de autocombustão que costumava ser utilizado na indústria cinematográfica no início do século 20.

"A nossa grande preocupação era o nitrato pegar fogo, como já pegou em 2016. Por volta de mil títulos foram perdidos", contou à Folha Maria Dora Mourão, diretora da SAC. "Tem que ter um cuidado cotidiano."

O nitrato foi o responsável por outros quatro incêndios na Cinemateca, que ocorreram em 1957, 1969, 1982 e 2016. Com a volta da SAC, a revisão do nitrato foi retomada.

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