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Em Cannes, Ethan Coen mostra Jerry Lee Lewis em filme alucinante sem o irmão

Trabalho solo com edição de sua mulher, Tricia Cooke, costura entrevistas de controversa estrela do rock mundial

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Cannes (França)

Quem estivesse sonolento na sessão matinal de "Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind" acordou logo no primeiro frame do documentário dirigido por Ethan Coen, que mergulha direto numa apresentação cativante do sucesso "She Even Woke me Up to Say Goodbye", ou ela até me acordou para dizer adeus, num clássico programa de TV americano.

A canção abre uma sequência de 73 minutos ininterruptos da energia transbordante daquele que foi um dos maiores músicos da história e creditado com a criação do rock and roll ao lado de seus contemporâneos Elvis Presley, Johnny Cash, Chuck Berry e Little Richard.

homem branco em fotografia preto e branca
O músico Jerry Lee Lewis em fotografia reproduzida no documentário 'Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind', dirigido por Ethan Coen e exibido no Festival de Cannes de 2022 - Cortesia da A24

"Jerry Lee Lewis" é o primeiro trabalho de Coen sem o seu irmão, Joel. A dupla fez uma pausa na colaboração que mantiveram por quase três décadas e que resultou em obras-primas como "Fargo", "O Grande Lebowski", "Onde os Fracos Não Têm Vez" e afins —a lista é exaustiva e termina com "A Balada de Buster Scruggs", de 2020.

Se Joel aproveitou a pandemia para trabalhar com a mulher Frances McDormand em "A Tragédia de Macbeth", Ethan fez o mesmo no longa lançado em Cannes, montado por sua mulher, Tricia Cooke.
O documentário nada tem de tradicional. Exceto por um depoimento da irmã de Lewis, o filme é todo composto de entrevistas do próprio artista (em sua maioria feitas em talk shows americanos) e em suas apresentações ao vivo, sempre eletrizantes.

O cineasta Ethan Coen e sua mulher e editora Tricia Cooke apresentam o documentário 'Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind' no Festival de Cannes 2022 - Stephane Mahe/Reuters

Lewis aprendeu a tocar piano sozinho em sua cidade natal Ferriday, no estado americano de Louisiana, num instrumento que ganhou dos pais aos oito anos. Aos 20, pediu que o pai o levasse de carro até Memphis, a cinco horas de distância, para visitar a sede do estúdio Sun Records que havia lançado Elvis Presley. "Eu vou ser uma grande estrela", disse ao porteiro ao chegar lá. O homem respondeu "é o que todos dizem, meu garoto". Mas, no caso de Lewis, era verdade. Sua música conquistou o fundador do estúdio, Sam Phillips.

Era novembro de 1956 e Lewis começou a fazer gravações pelo estúdio. No ano seguinte, estourou com "Whole Lotta Shakin' Goin' On", que chegou a vender mais de 300 mil cópias num único dia. Ele era um showman. Impressionavam a sua presença de palco, a energia que exalava e até os truques que usava, como chutar o banco do piano no meio das apresentações para levantar e dançar ao som de sua própria magia. A agilidade de seus dedos ao piano, registrada em filmes da época, chega a parecer um efeito especial feito a posteriori.

O músico caiu em desgraça em 1958, quando a mídia ficou sabendo que ele havia se casado (pela terceira vez) com uma prima distante de 13 anos. Jerry Lee Lewis tinha 22. Do dia para a noite, foi posto de escanteio e teve de se virar para sobreviver. O ostracismo do músico só foi acabar no final dos anos 1960, quando ele vislumbrou a onda de country music e embarcou nesse gênero sem medo ou receio.

Fica claro no documentário que Lewis era uma homem cristão, o que explica, pelo menos em parte, seus numerosos casamentos. Até o fim da vida foram sete esposas. A religiosidade de Lewis foi claramente um tormento para ele durante a vida, como se ouve numa discussão com seu produtor, gravada discretamente na fita em que registraram uma de suas composições em estúdio. Lewis diz "somos todos pecadores, vamos todos para o inferno". "Eu levo o diabo dentro de mim."

"Jerry Lee Lewis: Trouble in Mind" é um filme que faz jus à energia atormentada do ícone americano. Sem um minuto de pausa, o documentário é uma viagem alucinante ao lado desse que foi um dos maiores nomes do rock and roll mundial.

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