Uma série intitulada "Monumentos", concebida por um cineasta formado em arquitetura e por uma professora universitária da área de história pode fazer supor, de imediato, uma produção que vá se dedicar a esmiuçar aspectos do patrimônio.
Mas são artísticas, mais que didáticas, as ambições da produção em 12 episódios, dirigida por Paulo Pastorelo e criada por ele e por Lucília S. Siqueira, a ser exibida pelo canal SescTV a partir da semana que vem.
Ao menos a partir dos dois capítulos disponíveis para avaliação, aqueles que comporão uma sessão especial, nesta sexta, no Cinesesc, em São Paulo, depreende-se que a ideia é ampliar a concepção comum do que é um monumento.
"Monumento", enuncia a vinheta de abertura, é "aquilo que traz algo à lembrança". Essa definição vasta estabelece o terreno sobre o qual se debaterão os temas selecionados –ruínas, relíquia, restauro, vestígio, entre outros.
"Álbum de Fotografia", segundo episódio do conjunto, traduz claramente essa compreensão ampliada de um termo que estamos mais afeitos a tratar como algo solene.
Acompanhando os registros de momentos especiais na vida de uma família de origem armênia radicada em Santos, no litoral paulista, "Álbum de Família" enternece o espectador e estabelece uma entrada importante –a de que um monumento pode ser algo pessoal, íntimo.
A narração leva a refletir sobre o papel da fotografia na elaboração da lembrança; o que fica de fora da moldura da foto é evocado pelo que se vê, sugere.
Escrito por Giselle Beiguelman, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pesquisadora e artista com trabalho relacionado a memória, patrimônio e tecnologia, o texto é rico, mas por vezes entra em dissonância com o que se vê.
Isso não se dá pelo teor —que as imagens na tela vão comprovando, conforme os membros da família repassam a vida em fotos—, mas pelo tom, um registro mais elevado que se choca com a singeleza das considerações dos personagens e parece não encaixar tão bem na leitura de Erika Li.
O episódio que fecha a série convoca, de forma apropriada a seu caráter último, a morte. Ora, a finitude é um dos motivos pelos quais erigimos monumentos, para que a lembrança não nos falhe.
"Mausoléu" trata, portanto, desses monumentos mortuários, colocando em contraste o de Chico Xavier, no cemitério São João Batista de Uberaba, em Minas Gerais, onde o corpo do médium foi sepultado, e o de dom Pedro 1º, a cripta, dentro do Monumento à Independência, no bairro paulistano do Ipiranga, onde estão os restos mortais do imperador.
Enquanto o mausoléu do médium é um vulcanizador de paixões —fé, devoção, longas filas, flores e até mesmo um ataque aparecem na história—, o do monarca é frio, sombrio, solitário e, finalmente, vetusto como imaginamos um monumento.
A oposição se constrói pelos aspectos formais –a simplicidade interiorana do túmulo de Chico, a grandiloquência do sepulcro de Pedro– e por seus reflexos no texto, de Guilherme Gontijo Flores, tradutor e professor de letras da Universidade Federal do Paraná, além de poeta, como vários outros autores convidados a contribuir para a série. Desta vez o escritor é encarregado também da narração, num resultado mais desenvolto e que traduz com mais coesão o que as imagens mostram.
Já perto do final, se destaca uma frase que serve como chave de ouro à série e que, podemos adivinhar, é de certo modo seu leitmotiv.
Monumentos, diz o texto, não precisam ser grandiosos —"são quase sempre íntimos, ínfimos", objetos cotidianos como um relógio ou uma roupa, ou a pá de pedreiro que serve para sepultar o humilde e o poderoso.
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