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'Pureza' traz Dira Paes como heroína que enfrenta o escravismo

Longa vale pouco como arte, mas se realiza como fato político, em que a imagem troca a abstração pela crueldade concreta

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Pureza

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Dira Paes, Flavio Bauraqui e Matheus Abreu
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Renato Barbieri

Não seria difícil acusar "Pureza" de ser um filme tradicional demais. Afinal, ele renega a tradição que criamos desde o cinema novo de um cinema que aborda as questões nacionais de um ponto de vista intelectual e abstrato, ao mesmo tempo em que produz linguagem, inovação, repertório.

E "Pureza" não é nada disso. Renato Barbieri optou por tratar o tema da escravização de cidadãos no norte do Brasil da maneira mais tradicional do mundo. Seu filme se fixa no drama da personagem vivida por Dira Paes, Pureza Loiola —mulher que, nos anos 1990, sai em busca de seu filho desaparecido.

cena de filme
Dira Paes em cena do filme 'Pureza' (2019), dirigido por Renato Barbieri - Divulgação

Pureza se emprega como cozinheira numa fazenda com exemplar organização escravista —proprietário distante, feitor, jagunços e trabalhadores destituídos de quaisquer direitos.

Pureza absorve o drama deles como seu, pois imagina que não longe dali está seu filho. Como cozinheira tem um estatuto superior, o que permite a ela ir a uma cidadezinha próxima e a partir de então mexer os pauzinhos na busca pelo filho —o que implica tornar conhecida a situação dos escravizados.

Essa situação, digamos, não é propriamente uma novidade. Quem a quis conhecer conheceu, ao menos desde que o português Ferreira de Castro publicou "A Selva", relato de sua própria escravização na era da borracha na Amazônia. Publicou e teve sucesso mundial, digamos.

O que nos traz então o filme de Barbieri? Nos traz a imagem. Porque é muito diferente ler sobre algo e o cinema, que nos dá a ver determinados acontecimentos. Eis o que torna válida a opção de Barbieri por um filme perfeitamente tradicional.

É mostrar algo que nunca vimos, com intensidade emocional centrada numa personagem e no seu heroísmo (sim, à americana), trocando a abstração pela exibição de uma situação tão concreta quanto brutal e cruel.

Sim, podemos dizer que "Pureza" à sua maneira realiza o ideal de André Bazin, em que o fato importa mais que a maneira como é mostrado. Desse modo, "Pureza" não pode ser visto como um objeto no mundo dos espetáculos nem como obra de arte ou algo assim.

Mas por aquilo que é —um fato político com intenção de atingir um público amplo e abordar duas questões básicas da incivilização brasileira, o déficit educacional estrutural (que torna os trabalhadores objetos indefesos diante dos traficantes de escravos) e a ganância desenfreada de gente para quem produtividade se confunde com escravismo ou condições infames de trabalho.

Então ficamos assim —"Pureza" sofre de um "benfeitismo" quase fanático, que o torna antiquado e o limita do ponto de vista cinematográfico. Ao mesmo tempo, e justamente por isso, pode aspirar (ao menos aspirar) a atingir um grande público, e isso não só emocionalmente, mas também intelectualmente. Nesse sentido, presta um serviço inestimável. O filme se afirma pela decência de intenções e relevância das questões apresentadas.

Em resumidas contas, Renato Barbieri não fez um grande filme, à altura das aspirações maiores do século 21, mas que deve ser visto justamente por tudo que se apresenta a nós no século 21.

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