Descrição de chapéu Cinema festival de cannes

Ucranianos protestam contra invasão russa no tapete vermelho de Cannes

'Russos matam ucranianos', dizia cartaz negro estendido pela equipe de 'Butterfly Vision'

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Cannes (França)

Foi ao som de uma sirene antiaérea que a equipe do filme ucraniano "Butterfly Vision" embalou a sua subida no tapete vermelho para apresentar o longa na seção Um Certo Olhar, mostra paralela à competição principal do Festival de Cannes, na França.

Os manifestantes ainda traziam plaquinhas com o aviso usado nas redes sociais para conteúdo sensível e estenderam uma faixa negra onde se lia "Russos matam ucranianos. Vocês acham ofensivo e perturbador falar sobre esse genocídio?".

pessoas vestidas com roupas de gala no topo de escadaria forrada com tapete vermelho seguram faixa preta
Equipe do filme ucraniano 'Butterfly Vision' ergue plaquinhas com símbolo de conteúdo sensível e estende faixa em protesto em que se lê 'russos matam ucranianos; vocês acham ofensivo e perturbador falar sobre esse genocídio' no tapete vermelho do Festival de Cannes de 2022 - Guilherme Genestreti/Folhapress

Dirigido por Maksim Nakonechnyi, "Butterfly Vision" vem à mostra francesa de cinema com um conteúdo explosivo. Sua história gira em torno do retorno para casa de uma mulher ucraniana que lutou contra separatistas na região do Donbass, principal foco da invasão empreendida por Vladimir Putin.

"Esse lugar em que estamos, Cannes, é um lugar ideal para fazer esse ato, já que ele nasceu como resposta à censura", disse o diretor em pronunciamento antes da exibição, evocando a criação do festival, no final da década de 1930, pelas potências europeias contrárias às ditaduras nazifascistas da Alemanha e da Itália então no poder —uma grande demonstração de "soft power" frente ao Festival de Veneza, então vitrine do inimigo para o seu poderio cultural.

"Nossa mera existência virou alvo de um genocídio, assim como nossa cultura e nossa língua. União global pode se tornar um escudo para a arte e para as pessoas", declarou o cineasta. "Precisamos ouvir a voz das pessoas que têm experiência, e esse filme é fruto de uma colagem de experiências de pessoas que passaram por momentos duros. Que a luz vença."

Esta não é a primeira manifestação relacionada à Guerra da Ucrânia vista no tapete vermelho de Cannes. No final da semana passada, uma mulher anônima invadiu o tapete vermelho e ficou parcialmente nua minutos antes da estreia do filme "Three Thousand Years of Longing", de George Miller.

Ela pintou a bandeira da Ucrânia sobre seu peito e escreveu "parem de nos estuprar". Só de calcinha, ainda manchou o ventre com tinta vermelha, com marcas de mãos ensanguentadas na virilha.

A abertura do festival ainda contou com a aparição surpresa do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski. Ele falou ao vivo de Kiev em um vídeo transmitido antes da estreia mundial de "Coupez!", de Michel Hazanavicius, numa sessão de gala que contou com a presença de celebridades como os atores Édgar Ramírez, Julianne Moore, Rossy de Palma, Nicolaj Coster Waldau e Valeria Golino.

A despeito do protesto enfático da equipe, o filme "Butterfly Vision" não toma partido em relação à querela com a Rússia. A ocupação do Donbass é o ponto de partida, é o efeito desencadeador dos traumas da personagem principal, mas em nenhum momento a obra apela para qualquer libelo.

Lylia, vivida por Rita Burkovska, é a ucraniana que detém a tal visão de borboleta do título. Isso porque ela foi recrutada, logo após a invasão da Crimeia, para atuar como vigilante do espaço aéreo e roda pelo Donbass, a região conflagrada no leste do país, para desbaratar as atividades dos separatistas, aliados dos russos.

Quando a história começa, ela acabou de ser libertada depois de ter passado um período presa e torturada nas mãos do inimigo, e terá a chance de retomar a sua rotina em Kiev. Para piorar, ela foi estuprada e traz no ventre o filho de um de seus captores.

As feridas da guerra irão naturalmente fazer com que ela só se sinta à vontade com outros veteranos, enquanto que seu namorado, que também retornou do front, ruma à radicalização --em um certo trecho, ele se arma com fuzis, bradando que "a guerra não terminou", frase que ecoou na sala em que o filme foi exibido com o peso da clarividência.

O sujeito, que passou a ostentar as insígnias do Batalhão de Azov, a unidade paramiliyar de inspiração neonazista que se opõe aos russos, também responde a um processo na Justiça por ter atacado um campo de ciganos. Lylia, por sua vez, vai descobrir que sua luta no leste do país não encontra apoio incondicional de seus conterrâneos.

É por essas circunstâncias que a personagem agora terá de navegar, as de uma sociedade que, muito antes da recente invasão de fevereiro, já se encontrava em frangalhos.

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