Descrição de chapéu Virada Cultural

Virada Cultural tem saldo de coro a favor de Lula, contra Bolsonaro e violência em SP

De Criolo a Ludmilla, fim de semana foi repleto de shows politizados, lotados e até interrompidos por brigas e arrastões

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Público na apresentação do MC Neguinho do Kaxeta, no palco Anhangabaú, no centro histórico da cidade, durante a Virada Cultural 2022 Bruno Santos/Folhapress

São Paulo

Depois de dois anos de hiato, a primeira edição da Virada Cultural depois da pandemia teve alta voltagem política, refletindo o clima conflituoso que impera no Brasil. Protestos contra o presidente Jair Bolsonaro e as ações negacionistas de seu governo em relação ao coronavírus foram constantes nos shows que ocorreram no sábado e no domingo em São Paulo.

Os dois dias de evento, que tinham a expectativa de reunir 2 milhões de pessoas em torno dos palcos espalhados pela cidade, foram marcados ainda por episódios de violência, com arrastões, roubos e ao menos seis esfaqueados no Anhangabaú.

Durante show da cantora Ludmilla, público presente gritou 'fora, Bolsonaro' e fez 'L', de Lula, com as mãos - Bruno Santos/Folhapress

Tradicionalmente a Virada Cultural atrai protestos, o que se acentua num ano de eleição presidencial centrada em dois candidatos de raiz popular —Bolsonaro, do PL, e Lula, do PT. Como ocorre na maior parte da área cultural, as manifestações foram unânimes em favor do petista e contra o atual ocupante do Planalto, com gritos de "fora, Bolsonaro" e "olê, Lula".

Na tarde de domingo, xingamentos ao presidente tomaram a Freguesia do Ó no show de Ludmilla, um dos mais aguardados do festival, quando a cantora interrompeu a primeira canção por problemas técnicos de som.

No encerramento, Ludmilla pediu ao público para fazer o "L" com as mãos, gesto frequente em vários shows, o que no caso dela pode ser interpretado tanto como referência a seu próprio nome ou ao de Lula. A cantora, no entanto, saiu de cena com o telão do palco se alternando entre as cores vermelho e branco, as mesmas do Partido dos Trabalhadores.

Ainda assim, Ludmilla não citou o nome de Lula. Não mencionar o nome do ex-presidente foi uma tônica na Virada Cultural. Seja por escolha própria, seja por medo de serem acusados de fazer propaganda eleitoral antecipada, como ocorreu com Pabllo Vittar no Lollapalooza, a maioria dos cantores evitaram declarar apoio explícito a Lula.

No show do Planet Hemp, no viaduto do Chá, o mais político do evento, o rapper Marcelo D2 convocou quem se identifica como antifascista a puxar gritos de "Marielle presente", depois de cantar a música "Hip Hop Rio", sobre as belezas e a violência do Rio de Janeiro. "Eles podem matar um, dois, mas não vão matar a ideia", disse o músico.

O rapper BNegão então criticou a operação policial no Complexo da Penha, no Rio, que deixou mais de 20 mortos, e a morte de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado depois de ser trancado numa viatura por agentes da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe.

No refrão da música "Stab", que diz que "nossa vitória não será por acidente", o público respondeu com xingamentos a Bolsonaro. Convidado pelo Planet Hemp, João Gordo, vocalista dos Ratos de Porão e ícone do hardcore de São Paulo, chegou ao palco gritando "fora, Bolsonaro", cantou a música "Crise Geral", de sua banda, e perguntou quem tinha um cigarro de maconha.

No palco montado no viaduto do Chá, o maior do festival no centro da cidade, a secretária de Cultura de São Paulo, Aline Torres, agradecia aos trabalhadores da Virada Cultural quando o público puxou xingamentos contra Bolsonaro.

Os gritos ganharam volume logo antes de a cantora Luísa Sonza subir ao palco. "A voz do povo é a voz de Deus", disse a cantora ao menos duas vezes depois dos inúmeros momentos em que a plateia bradava contra o presidente.

Na mesma tarde, o cantor Hariel defendeu a importância do voto. "Não venda seu voto para criminoso. Vamos tirar aquele homem de lá", disse.

No sábado, os protestos de tom político começaram mais tímidos pela tarde, mas já eram preponderantes perto do final da noite. No palco Parada Inglesa, na zona norte, Ana Cañas, depois de cantar "Alucinação", de Belchior, pediu que "a gente saiba votar e mudar essa realidade dura que estamos vivendo". O público respondeu entoando "olê, olê, olá, Lula, Lula".

Na Praça das Artes, na região central, o rapper Don L disse que esta seria a "Virada da Vacina". Ao fim da música "Éldwood", ele pediu que o público fizesse um "L" com a mão, mais uma referência que permite dupla leitura, o nome do rapper ou Lula, e depois declarou que "se não tivéssemos um presidente genocida, muito mais pessoas estariam com a gente", aludindo aos mortos pela pandemia.

Enquanto tocava a música "Respeito É pra Quem Tem", o rapper MV Bill também puxou coro contra o governo federal. "É para o povo de Brasília escutar." No Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, ele afirmou que não precisa mencionar nem xingar o nome de qualquer político. "Quem acompanha nossa música sabe o que pensamos."

Nos intervalos das apresentações, os gritos políticos serviam de espécie de esquenta para a plateia. No palco do Campo Limpo, na zona sul, no hiato entre Vitão e Xande de Pilares, o público bradava "fora, Bolsonaro" e "Bolsonaro, você acabou com a minha vida".

Na quase uma hora de atraso de Criolo no palco Parada Inglesa, muitos de seus fãs se divertiam e dançavam com xingamentos contra o presidente.

Logo no início do show, Criolo engatou uma manifestação, mas desta vez direcionada à própria organização da Virada Cultural. "Se você puder entrar no Instagram do padre [Júlio] Lancellotti, vai ser tão interessante", disse, em referência às acusações do padre de que trabalhadores teriam sido explorados pelo evento.

Segundo Lancellotti, moradores em situação de rua recebiam uma marmita e R$ 60 por 12 horas de trabalho na montagem dos palcos do evento, sem qualquer equipamento de proteção. A Prefeitura de São Paulo informou que a montagem é realizada por empresas terceirizadas e que não havia identificado nenhuma irregularidade na produção.

Também na noite de sábado, alargando o escopo das pautas políticas nos shows, Margareth Menezes e Sidney Magal lamentaram a violência contra mulheres no país.

"Não é comum numa sociedade se matar tantas mulheres como no nosso país", disse a cantora, no viaduto do Chá. "E não é pobreza. Tem lugares que têm pobreza, mas o povo não fica se matando como no Brasil. Precisamos resolver essa questão. Não é só questão de política, mas de comportamento social também. Vamos respeitar o outro. Não dá para não mudar."

Já Magal, na zona norte, antes de tocar "Ciúme", da banda Ultraje a Rigor, declarou que "esse negócio de machão não é comigo, estou fora". Ao terminar a música, pediu pelo fim da violência contra a mulher. A plateia respondeu com aplausos.

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