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Cinema

'A Jangada de Welles' vê o cinema a partir da visita do diretor ao Brasil

Sob a sombra de Rogério Sganzerla, documentário mantém apetite histórico com imagens de arquivo

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A Jangada de Welles

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Firmino Holanda e Petrus Cariry

Em 1942, um ano após ter realizado seu longa de estreia, "Cidadão Kane", e de ter filmado, em sequência, o subestimado "Soberba", Orson Welles foi enviado ao Brasil por Nelson Rockfeller, como parte da política da boa vizinhança entre os Estados Unidos e estes trópicos. O filme que seria produzido pela RKO, "It's All True", ou é tudo verdade, teria ao todo três episódios com histórias latino-americanas. Uma delas, chamada "Carnaval", seria ambientada no Rio de Janeiro.

Welles acrescentou uma quarta história, a dos jangadeiros Manuel Jacaré, Jerônimo, Manuel Preto e Tatá, que, em 1941, com a jangada São Pedro, fizeram a viagem de Fortaleza ao Rio de Janeiro como forma de reivindicar direitos trabalhistas para a classe. O diretor quis contar a história desses jangadeiros, mas a jangada virou durante as filmagens e só três dos quatro amigos sobreviveram. Jacaré perdeu para o mar. Essa passagem mudou a vida de Welles. "Soberba" foi montado à sua revelia, "It's All true" foi arquivado pelo estúdio.

Detalhe de cartaz do filme 'A Jangada de Welles' - Divulgação

A história desse filme inacabado e da passagem de Welles pelo Brasil rendeu muitas linhas de especulações e análises e ao menos dois belos filmes que investigam o período em forma de ensaio –"Nem Tudo É Verdade", de 1986, e "Tudo É Brasil", de 1997, ambos realizados por Rogério Sganzerla. Haveria ainda um terceiro, também de Sganzerla, mas em forma de ficção, "O Signo do Caos", de 2003.

Oitenta anos depois da aventura wellesiana no Brasil, estreia "A Jangada de Welles", o filme que os cearenses Firmino Holanda e Petrus Cariry fizeram em 2019 sobre o assunto. Por meio de imagens de arquivo, mais ou menos recentes ou antigas, recortes de jornal e entrevistas, os diretores procuram entender o que foi aquele momento, apresentando didaticamente os problemas enfrentados por Welles e seguindo a fórmula do documentário brasileiro atual.

Entre as imagens de arquivo, trechos de filmes de Holanda e de Cariry se juntam a de discursos de Hitler, vindas de "O Triunfo da Vontade", de 1935, filme nazista de Leni Riefenstahl. Há ainda imagens de "O Gabinete do Doutor Caligari", de Robert Wiene, de 1920, e "Nosferatu", de Friedrich W. Murnau, de cem anos atrás. Seria uma maneira de dizer que da riqueza do cinema expressionista alemão da República de Weimar passamos para o nazismo num só pulo e que o risco do alinhamento do Brasil com a Alemanha nazista provocou, entre muitas outras coisas, a vinda de Orson Welles?

Os entrevistados vão de Grande Otelo, que conheceu Welles na época e com ele bebia cachaça, e Helena Ignez, cineasta e atriz viúva de Sganzerla, a críticos, historiadores e pessoas que fizeram parte do filme inacabado. Os recortes de jornal se encarregam de oferecer o contexto noticioso.

Não há muito que escape do convencional, o que pode decepcionar quem conheça filmes de Petrus Cariry como "O Grão", de 2007, e "Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois", de 2015. Ambos têm a presença de Firmino Holanda no roteiro e na montagem.

É justamente essa junção de apetite histórico com a timidez formal que provoca tanto o interesse quanto a limitação dessa investigação. Holanda e Cariry conseguem segurar o filme pelo assunto, sobretudo, mas também pelo carisma de Welles, ou de Arrigo Barnabé, que o interpreta em "Nem Tudo É Verdade".

Algumas decisões parecem inicialmente deslocadas. Por que, por exemplo, inserir imagens de "O Estranho", filme que Welles realizou em 1946, no trecho em que se conta, por áudio, de seus dissabores com a RKO? Depois ainda veremos cenas de "A Dama de Xangai", de 1947, e "Otelo", de 1951, além de uma série de referências a outros filmes, de Welles e de outros autores injustiçados.

A escolha fica mais clara nos minutos seguintes e encontra o que há de melhor em "A Jangada de Welles". Mais do que investigar a passagem desse gigante do cinema pelo Brasil, os diretores querem pensar de que maneira essa viagem mudou tudo que ele faria depois.

Mas Rogério Sganzerla é um fantasma sempre convocado pelo filme. Helena Ignez é entrevistada com o pôster de "O Signo do Caos" e imagens de Sganzerla em suas paredes.

Ou seja, por linhas mais ou menos tortas, Holanda e Cariry querem pensar os rumos do cinema moderno depois da desventura daquele que realizou o mítico "Cidadão Kane".

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