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Cinema

Carisma de Jean-Louis Trintignant coincidia com sua modéstia

Foi por sua discrição que ator se fez estrela e deixou trabalhos memoráveis entre quase 150 filmes

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A discrição talvez tenha sido a marca distintiva de Jean-Louis Trintignant, que acaba de morrer aos 91 anos, em Paris. Não tinha a beleza ostensiva de um Alain Delon, nem a leveza de Marcello Mastroianni, ou a presença forte de um Vittorio Gassman. E foi assim, discretamente, que surgiu em "Se Todos os Homens do Mundo", de Christian Jacque, em 1955, já para não falar de "E Deus Criou a Mulher", no ano seguinte, de Roger Vadim. O papel era mais importante, mas perto de Brigitte Bardot qualquer um ali pareceria discreto.

O ator francês Jean-Louis Trintignant, durante entrevista coletiva no Festival e Cannes de 2012
O ator francês Jean-Louis Trintignant, durante entrevista coletiva no Festival de Cannes de 2012 - Anne-Christine Poujoulat/AFP

Talvez Trintignant já demonstrasse, nesses filmes inaugurais, que seu carisma coincidia com a modéstia: um modo tímido e no entanto marcante. É assim, no mais, que se destacou no notável "Verão Violento" (1959), de Valerio Zurlini: em plena Segunda Guerra, em Rimini, ele é o jovem que escapou do Exército e que inicia um romance com uma mulher mais velha, viúva de guerra com uma filha.

Trintignant emplacou no cinema italiano, onde trabalharia inúmeras vezes, a começar por "Aquele que Sabe Viver" (1962), talvez a obra-prima de Dino Risi, onde faz o tímido rapaz que acompanha contra a vontade o extrovertido Vittorio Gassman.

Ele mostraria pouco depois que seria um bom e sincero homem apaixonado, como se pôde ver em "Um Homem e uma Mulher" (1966), de Claude Lelouch. O filme podia ser uma bela xaropada, mas uma dessas que marca a carreira de um ator. Tanto que pouco depois começa a temporada de premiações: primeiro é melhor ator em Berlim por "L’Homme qui Ment" (1968), de Alain Robbe-Grillet, no ano seguinte melhor ator por em Cannes por "Z" (1969), de Costa-Gavras.

É nesse período também que rompe a bolha que separava os atores da nouvelle vague dos do antigo "cinema francês de qualidade" e trabalha sucessivamente com Claude Chabrol, em "As Corças" e em seguida com Eric Rohmer em "Minha Noite com Ela" (1969).

Não era frequente que esses cineastas trabalhassem com estrelas, exceto as que eles próprios criavam, mas os modos modestos e, sobretudo no caso de "Minha Noite...", a capacidade de se mostrar absolutamente fiel a um amor tornaram sua presença quase obrigatória.

Trintignant voltaria a fazer outro filme marcante com um cineasta saído da nouvelle vague. Aliás, seria o último trabalho de François Truffaut: "De Repente, Num Domingo" (1983).

Ainda assim, foi fora da França, ou com cineastas estrangeiros, que teve a oportunidade de fazer a maior parte de seus papéis mais memoráveis. Na Itália, com Bernardo Bertolucci em "O Conformista" (1973) ou novamente com Valerio Zurlini em "Deserto dos Tártaros" (1976). O polonês Krzystof Kieslowski lhe daria o principal papel masculino em "A Fraternidade É Vermelha" (1994), filme que fechou sua trilogia sobre as cores e ideias da bandeira francesa.

O alemão Michael Haneke lhe daria o último grande papel de sua vida em "Amor" (2012). Novamente voltaria a ser o marido apaixonado; desta vez tratava-se de um casal octogenário onde ele se ocupa de sua parceira, Emmanuelle Riva, em tempo integral.

Estranho caso: o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Oscar de melhor filme em "língua estrangeira" (não inglês, em suma), deu uma penca de prêmios a Emmanuelle Riva, mas nada senão prêmios e menções secundárias a Jean-Louis Trintignant.

Talvez fosse injusto: ele esteve notável também neste filme. Mas Riva, bem, talvez fosse esse o seu primeiro grande papel no cinema desde "Hiroshima Meu Amor" (1959). Merecia o destaque. E ficava bem para Trintignant, afinal de contas, destacar-se pela discrição no crepúsculo de sua carreira.

Foi assim que se fez estrela e deixou trabalhos memoráveis entre os quase 150 filmes em que atuou. Foi assim que morreu, ao que se diz: em sua casa, em companhia da família "tranquilamente, de velhice", como disse sua mulher, Mariane Hoepfner Trintignant.

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