Descrição de chapéu
Moda

Danuza Leão foi ao auge do mundo da moda e revelou cafonice dele

Modelo desfilou na Europa como embrião das 'it girls' atuais antes de tratar do universo fashion com suas tintas ácidas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dizem que Danuza Leão teria sido a primeira modelo brasileira a ganhar espaço no mercado internacional. A afirmação não está de todo errada, mas resumir esse pedaço de sua biografia à pecha de estampa bonitinha do tipo exportação é retirar o efeito real de sua passagem pela moda.

Ela era garota de Copacabana do início dos 1950, portanto, uma década antes da outra praia, a de Ipanema, ser imortalizada em versos e ganhar sua própria musa, Helô Pinheiro. Daquelas areias onde "jet-set" e classe média conviviam com alguma harmonia, partiu em voo fretado por Assis Chateaubriand, então dono dos Diários Associados, para uma curta temporada na Europa.

Ao lado de outras jovens com trânsito social, como Lourdes Catão e Teresa Souza Campos, Danuza foi com a missão de exibir em festas as roupas feitas com o algodão brasileiro fiado pelas fábricas de têxteis que anunciavam nos veículos de Chatô.

A modelo e escritora Danuza Leão em desfile na boate Vogue, no Rio de Janeiro - Arquivo pessoal

Hoje, esse trabalho seria traduzido como o de uma influenciadora digital. Mas, como não havia smartphone, tampouco Instagram, na mala só couberam, além das roupas, o sorriso, a graça e a esperteza para tentar furar a bolha europeia e, assim, dar ao Brasil um motivo para olhar sua moda nascente com menos ceticismo.

O propósito daquela comitiva de "it girls" não era exportar as roupas, mas fazer um jogo de marketing que atingiria uma elite presa ao hábito colonial de enxergar o tecido importado como suprassumo do luxo. A lógica era a de que, se aquela roupa está na Europa, é porque é fashion.

Um ano depois, em 1952, Danuza voltaria à Europa, agora nos arredores de Paris, para um outro lance marqueteiro. A festa de arromba no castelo de Coberville, propriedade do costureiro francês Jacques Fath, foi o maior lance do empresariado de moda nacional até aquele momento.

Fath era o principal concorrente de Christian Dior e havia estreitado laços com Chatô de olho em oportunidades para seu negócio. Ele desfilaria no Brasil meses depois daquele agosto.

O megadesfile regado a milhares de garrafas de uísque, champanhe e pinga foi um escândalo midiático e reuniu estrelas da cena cultural, como a atriz Ginger Rogers, o cineasta Orson Welles e a estilista Elsa Schiaparelli, que entrou nos jardins do castelo montada num cavalo conduzido por Chatô. O regabofe, e também a paixão pelo ator francês Daniel Gélin, seduziram a garota de 18 anos a ponto de ela pedir ao anfitrião um emprego na casa de costura.

Fath não descobriu Danuza, como anunciado em reportagem da revista Manchete dois meses após a festa.

Ela mesma explicaria ao historiador João Braga e ao jornalista Luís André do Prado, autores de "História da Moda no Brasil", da editora Pyxies, que a "girafinha", como foi apelidada, havia fechado contrato para ganhar a independência, não exatamente para seguir uma carreira de modelo.

Desse tempo, recordou, além dos salários limitados, os banhos escassos no quarto de hotel em que vivia e o troca-troca de roupas diário, a oportunidade de conhecer o "mundo da sofisticação".

É possível dizer que a temporada de um ano em que modelou para Fath, período máximo autorizado pelo sindicato local para uma estrangeira trabalhar como modelo naquela época, ofereceu a Danuza as primeiras imagens sobre o universo que trataria em suas tintas ácidas.

Quando voltou ao país, fez um outro desfile nos corredores luxuosos do Copacabana Palace. Ler aquele microcosmo de glamour aristocrático e o quão decadente ele poderia soar, mesmo que ela fizesse parte do mundinho, era o combustível para sua mente inquieta.

O glamour, o comportamento das elites e a etiqueta dos ricos, tanto os novos quanto os de sobrenome grifado, permearam os escritos de quem acompanhou de perto a abertura das cortinas para uma espécie de estilo nacional –no caso dela, é verdade, muito vinculado à sociedade carioca.

Danuza passeou pelos círculos da moda, foi amiga do costureiro Guilherme Guimarães, um dos primeiros da casta de designers brasileiros que atuaram no sob medida de luxo, e chegou a flanar pela São Paulo Fashion Week como observadora dos modos do fashionismo nos anos 2000.

Um de seus escritos sobre o evento, de 2004, traduziu como ela lia a cafonice fashion que combateu em vida e o choque de épocas transformado em linhas que passaram a revelar o desajuste sentido por ela em participar de um métier no qual não se reconhecia mais.

"Só depois de chegarem as personalidades e editoras de moda que confirmaram a presença começa o desfile. Todos precisando, com urgência, se inscrever no programa Fome Zero, e nenhum deles parece ter mais de 17 aninhos. A coleção era um mix de Bora Bora com Canoa Quebrada, e ganha um cartão numerado para ver todos os desfiles da primeira fila quem souber dizer, de bate-pronto, quem é ele e quem é ela."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.