Em meio à 'CPI do sertanejo', Justiça fixa teto para cachês de shows em Alagoas

Segundo advogada especializada no setor cultural, no entanto, ato pode representar interferência do Judiciário

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São Paulo

Pela primeira vez desde que as investigações de shows de sertanejos, que ganhou o apelido de "CPI do sertanejo", começaram, a Justiça determinou um limite de cachês pagos com verba pública para estado e município.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, a fixação desses valores pode representar interferência do Judiciário na atuação dos poderes executivo estadual e municipal.

O cantor Wesley Safadão - Romilson/Divulgação

A decisão foi tomada nesta quarta-feira (8) após pedido do Ministério Público de Alagoas. Foi determinado que o estado e a cidade de Viçosa, que pagou um cachê em torno de R$ 600 mil para o cantor Wesley Safadão, não podem ultrapassar os valores de R$ 50 mil e R$ 20 mil, respectivamente, na contratação de artistas. O show no interior do estado também foi cancelado após pedido do Ministério Público de Alagoas.

O município não pode ultrapassar R$ 100 mil na contratação geral de artistas, segundo a decisão, enquanto esse limite fica em R$ 500 mil para todo o estado —mas o texto não deixa claro se esses valores são só para as festas de São João especificamente. A juíza Juliana Batistela Guimarães de Alencar também determina que o descumprimento da decisão acarreta multa de R$ 100 mil.

A Justiça argumenta que não há justificativa para um gasto desse porte em shows enquanto "condições básicas de vida digna dos cidadãos não estão sendo atendidas". O documento ressalta que cidades do estado também entraram em emergência devido às fortes chuvas no último mês.

"O que se vê na prática é a velha política iniciada na Roma antiga do 'pão e circo' que entrega aos cidadãos um lazer esporádico e momentâneo, em detrimento de condições estruturantes, que convergiriam para a formação de indivíduos socialmente emancipados e com condições dignas de vida", argumenta a juíza.

A decisão compara que o valor gasto no show de uma hora de Safadão é o suficiente para pagar um mês de trabalho de cerca de 160 professores da educação básica ou 200 enfermeiros.

Advogada especializada no setor cultural, Aline Akemi Freitas afirma que "se não houve a comprovação de irregularidade na execução do orçamento ou dos processos de contratação, parece que a limitação dos cachês representa interferência do Judiciário na atuação dos poderes Executivo estadual e municipal".

Segundo ela, se a lei orçamentária aprovada pelo legislativo previa o gasto com o show, não há razão para a proibição nem justificativa para limitar os cachês. Seria como a juíza dizer "que o município só pode gastar 'X' na construção de uma escola ou de uma ponte", afirma a advogada.

Cris Olivieri, advogada especializada em cultura e entretenimento, lembra que esses shows não precisam de licitação para contratar. Isso porque não é possível comparar o trabalho artístico de cantores como se faz com produtos numa construção, por exemplo.

"Como eu vou comparar o Caetano Veloso com o Gilberto Gil numa contratação? São coisas incomparáveis", exemplifica ela. Isso não significa que a verba pública não tenha regras para essa contratação. Uma delas é ter uma documentação que comprove que este cachê é, de fato, o cachê cobrado por artistas em outros eventos.

No caso de Safadão, profissionais afirmam que o valor de R$ 600 mil é compatível com o cobrado pelo cantor. Além disso, a decisão também não se debruça sobre a regularidade da contratação, lembra Olivieri, para quem essa é uma avaliação de cunho "emocional".

"O que caberia ao juiz é olhar para o procedimento de contratação. Não cabe ao Judiciário definir o limite de cachê, nem para artista nem para qualquer outra coisa", diz ela.

Vale lembrar que há uma série de razões para se investir no setor cultural. A começar pela própria Constituição, segundo a qual o Estado deve garantir "a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional".

Economicamente este também é um setor dinâmico que traz retorno financeiro e gera empregos, além de poder ser um vetor de desenvolvimento econômico.

A Cultura também não é a área com orçamento mais gordo do Brasil, como mostra reportagem da Folha. A renúncia fiscal na cultura é cerca de 25 vezes menor do que a renúncia fiscal para comércio e serviços, por exemplo.

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