Entenda por que esta semana é uma das mais importantes da era do rock

O glam rock trazia purpurinas, roupas brilhantes e rostos intensamente maquiados aliados a um rock feito para dançar

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São Paulo

O silêncio vai aos poucos dando lugar a uma batida suave, logo seguida por piano, voz com eco calculado e baixo. Mais adiante, o acompanhamento de cordas impõe um caráter solene à melodia que já havia se revelado tão bela: assim é "Five Years", canção de abertura de um dos maiores discos de rock dos anos 1970, "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars", de David Bowie.

Essencial para o fortalecimento do glam rock, este disco faz nesta quinta-feira (16) 50 anos. Mas não é o único de glam rock lançado em 16 de junho de 1972. Essa é também a data da estreia em disco de uma das mais importantes bandas do glam rock, sem a qual Japan, Duran Duran e Adam & the Ants, entre muitas outras, não existiriam da maneira como as conhecemos. Falo do Roxy Music, capitaneada por um galã de voz marcante chamado Bryan Ferry, e pelo mago dos eletrônicos Brian Eno.

cantor fuma cigarro em foto preto e branco
O cantor David Bowie fuma um cigarro durante entrevista coletiva do festival de Cannes de 1983 - Ralph GattiAFP

Em 1972, vivia-se o auge do rock progressivo de bandas como Yes, Genesis e Emerson Lake & Palmer. Eram tempos de pirotecnia visual, shows em grandes arenas, álbuns conceituais com longos trechos instrumentais tocados por músicos virtuoses, letras com mensagens místicas e muita erudição.

Mas existia um grupo de artistas que, sem se mostrar claramente contrário a isso, pregava um retorno ao rock simples de até a primeira metade dos anos 1960, calcado em muita energia e em melodias que grudavam em nossos ouvidos e num desbunde comportamental que só os anos 1970 poderiam proporcionar.

O glam rock, em suas variações, trazia purpurinas, roupas brilhantes e rostos intensamente maquiados aliados a um rock feito sobretudo para dançar, não para viajar com chá de cogumelo ou ácido lisérgico, embora drogas não estivessem fora do jogo.

"Ziggy Stardust", como ficou conhecido desde então, a partir de uma música homônima, é o quinto disco de Bowie, e o segundo de uma trinca de discos magistrais iniciada com "Hunky Dory", de 1971, e encerrada com "Aladdin Sane", de 1973.

Bowie fazia então um tipo de glam rock requintado, alternando o rock ‘n’ roll dos anos 1950 com o art rock resultante da psicodelia do final dos anos 1960 e dos Beatles. Nos três discos, Bowie contou com uma banda afiada, as aranhas de Marte: Mick Ronson na guitarra no piano e nos arranjos orquestrais, Trevor Bolder no baixo e Mick Woodmansey na bateria.

Já o Roxy Music incorporava ao seu caldeirão sonoro, além do progressivo, doses fortes de soul e do punk da época, na chave dos Stooges e do Velvet Underground. Seus cinco primeiros LPs, até "Siren", de 1975, são primores de arranjos, alternâncias de estilo e melodias inspiradas. Mas Eno partiu logo após o segundo disco, iniciando uma excelente carreira solo e colaborando com Bowie na célebre trilogia de Berlim, no final dos anos 1970.

O disco de Bowie tem um punhado de faixas inesquecíveis, além da já citada abertura. "Starman" é dessas melodias que uma vez ouvida jamais será esquecida, mesmo empobrecida na versão intitulada "Astronauta de Mármore", da banda gaúcha Nenhum de Nós. "Star" é uma pérola festiva que faz a ponte do final dos anos 1950 para os anos 1970. E "Soul Love" parece vir do futuro no arranjo, mas com vocais de apoio dos anos 1960, numa curiosa mistura de antecipação com nostalgia.

Do lado mais energético, temos a fúria meio hard rock, meio balada de "Moonage Daydream" e "Ziggy Stardust", além dos rocks revisionistas de "Hang on to Yourself" e "Sufragette City". Esta última trafega pela mesma via de "Crocodile Rock", de Elton John, mas sem o "la la la" infantil.

Finalmente, "Rock ‘n’ Roll Suicide" deixa uma inevitável frustração por ser tão curta, praticamente três minutos de perfeição na melodia e na execução. Um desfecho coerente para um disco que abre com "Five Years". São duas músicas desesperadas, cantadas com muita emoção.

Curiosamente, um dos maiores astros do rock progressivo, o tecladista Rick Wakeman, que tocou nos discos mais famosos do Yes, faz uma participação na música "It Ain’t Easy", composição de Ron Davies que é amplamente considerada o patinho feio do disco de Bowie.

Em "Roxy Music", não tem patinho feio. Pode ser um disco mais difícil que "Ziggy Stardust", com duas ou três faixas que revelam um maior desejo de experimentação. Mas no que tem de glam rock, e tem muito, é um disco poderoso já na faixa de abertura, a incrivelmente punk e recheada de citações "Re-Make/Re-Model", espécie de cruzamento do Velvet Underground com os Talking Heads, que ainda nem existiam.

De início climático, "Ladytron" evolui como uma canção que evoca, curiosamente, o Bowie da época, mas logo se torna algo como o que os Sparks fariam dois anos depois. Outra deliciosamente esquizofrênica é "2HB", homenagem a Humphrey Bogart que lembra ao mesmo tempo Frank Zappa e Caravan. "The Bob (Medley)" entrega no título a junção de peças diferentes e revela tanto a pulsão eletrônica de Eno quanto a inclinação hard rock do guitarrista Phil Manzanera.

Se bem que o disco todo é deliciosamente esquizofrênico. "If There Is Something" começa como um rock tipicamente americano e se torna meio progressiva em seu miolo. "Chance Meeting" conjuga a calmaria do piano com guitarra e sax agressivos. "Would You Believe?" começa como uma balada de John Lennon e vira um rock ‘n’ roll saudosista. E por aí vai.

O que o disco de Bowie tem de desesperado e melancólico, o do Roxy Music tem de humorado e inventivo. São dois clássicos incontestáveis, que fazem de 16 de junho um dos dias mais importantes da história do rock.

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