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Maria Bruaca conquista 'Bruaquers' ao dar basta aos abusos em 'Pantanal'

No patriarcado de Benedito Ruy Barbosa, mulheres não saem da cozinha enquanto homens conquistam o Pantanal

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"Juízo eu tive a vida inteira. Agora eu quero é ter prazer." É com frases como essa que Maria Bruaca, de "Pantanal", vivida pela atriz Isabel Teixeira, tem levado as redes sociais ao delírio e constituído uma legião de fãs, os "bruaquers".

Maria ganhou o apelido de Bruaca do marido. Os dicionários não registram a palavra "bruaco", no masculino. A palavra existe só no feminino e pode querer dizer um tipo de bolsa de couro, mas também significa, nos diz o Houaiss, mulher idosa e feia, ou mulher maldosa, faladeira ou, ainda, prostituta mais velha, decadente, feia. Já se vê aí o tipo de marido que ela tem.

mulher à frente e homem de chapéu atrás
Isabel Teixeira, como Maria Bruaca, e Juliano Cazarré, como Alcides , em 'Pantanal' - João Miguel Júnior/Globo

Ela descobriu que ele tem uma outra família, com uma amante e três filhos, em São Paulo, e resolveu dar um basta nas humilhações e explorações que sofre do cônjuge. Sai o avental por cima de conjuntinhos de saia e blusa de cores apagadas e entram as calças jeans e as blusas de decote. Sai a barriga esquentando no fogão e entram os banhos de rio. Saem o assar pão, o bater manteiga, o lavar cueca suja e entram os passeios a cavalo. Ela sai do espaço fechado da casa da família e vai para o ar livre.

Como ela, praticamente todas as personagens mulheres de "Pantanal" vivem confinadas em suas cozinhas. Elas estão sempre ali, cozinhando, fazendo café, sentadas à mesa conversando entre elas. Os homens, por sua vez, estão sempre em cima de cavalos, laçando bois, pilotando aviões, descansando em poltronas ou redes, tomando uma pinga ou fumando um cigarro, tocando violão, jogando cartas.

Isso na segunda e atual fase da novela. Porque a primeira fase de "Pantanal" quase não passa no teste Bechdel, aquele em que checamos se há pelo menos duas personagens mulheres com nomes, se elas falam entre si e se a conversa tem outro assunto que não seja homem. Ali, só o núcleo carioca conseguiu marcar alguns pontos no teste para a novela, mas com as mulheres da família Novaes, que competem entre si por –é claro– homens.

O contraponto às mulheres encasteladas de "Pantanal" é Juma, a mulher-onça. Mas podemos nos questionar o que há de libertador numa personagem selvagem que joga as mulheres de volta à natureza, enquanto aos homens cabe domar essa mulher.

Na oposição natureza e cultura, as mulheres ficam sujeitas aos hormônios, estão ligadas à terra, e, em última instância, são meras reféns de seu sexo; enquanto isso, os homens dominam a natureza pela ciência, escrevem tratados e poemas, pintam quadros, vão à Lua.

Sem surpresas. Se há um produto cultural que retrata bem a sociedade machista, esse produto são as novelas de Benedito Ruy Barbosa, grandes sagas familiares em que tudo e todos orbitam um patriarca. Ele já foi Antônio Mezenga, em "O Rei do Gado", ou José Inocêncio, em "Renascer". Agora o patriarca é Zé Leôncio.

A Maria Bruaca da nova versão de "Pantanal", porém, enfeitiçou o público mais que Juma e o Velho do Rio. Muito por causa de sua intérprete, é bem verdade. Isabel Teixeira merecia há tempos um papel de destaque na televisão que permitisse aos brasileiros de todo o país conhecer seu grande talento.

Vinda do teatro, ela já tinha ficado na memória de quem viu algumas das peças de Christiane Jatahy, como "E se Elas Fossem pra Moscou?", adaptação de "Três Irmãs", de Tchékov. Cercada pelos excelentes atores do elenco da novela, ela tem conseguido roubar a cena. Botou todo mundo no bolso na sequência em que chora diante do espelho depois de desmaiar ao se ver forçada a um beijo pelo peão Levi durante um passeio a cavalo.

À diferença das outras personagens mulheres presas ao trabalho doméstico gratuito, como Filó, companheira de Zé Leôncio, Bruaca é humilhada, diminuída e embrutecida pelo marido. Por isso o público torce tanto pela sua libertação. Por isso rimos quando ela enche a boca para retrucar os desaforos do marido. Por isso choramos quando ela passeia pelo Pantanal pela primeira vez e se delicia com a areia da prainha de rio como uma criança.

Torcemos para que ela faça o que quiser de sua vida e pare de servir a um marido que não só é infiel, mas que fere a sua dignidade.

A filha de Bruaca, Guta, se assusta com a reviravolta da mãe e tenta conter seu comportamento. "Eu queria você feliz e não revoltada", diz a jovem. Para se livrar de um marido repressor, ser feliz talvez seja o suficiente. Para vencer o patriarcado, porém, precisamos mesmo é de revolta.

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