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Nobel de Literatura, Louise Glück ressurge esquiva em novo livro

Em 'Receitas de Inverno da Comunidade', poeta captura o segundo de beleza antes do fim do amor ou da própria morte

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Receitas de Inverno da Comunidade

  • Preço R$ 49,90 (88 págs.); R$ 34,90 (ebook)
  • Autor Louise Glück
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Heloisa Jahn

Envelhecimento e memória têm sido temas recorrente nos últimos escritos de Louise Glück, nascida em Nova York em 1943. Não é diferente em "Receitas de Inverno da Comunidade", que traz —em edição bilíngue com tradução de Heloisa Jahn— 15 poemas escritos depois que a autora recebeu o Nobel de Literatura em 2020.

Glück, que não é a poeta dos otimistas, ressurge ainda mais esquiva, contemplativa e melancólica —em parte porque muitas das imagens são como que resgatadas das profundezas da memória, tendo de competir com o que está imediatamente presente aos sentidos. "Como pesa a minha cabeça,/ cheia de passado./ Será que tem espaço/ para o mundo penetrar?", escreve Glück.

Tem. E ele pode até mesmo romper o desencanto do qual é feito o universo tardio da poeta, que dá, ainda que por um brevíssimo instante, lugar a uma espécie de deslumbramento. Quando ela vê o sol cintilando na neve, pensa que é "bonito/ ver isso outra vez". Em Glück, no entanto, a beleza não perdura. "E não deu outra,/ as nuvens voltaram, e não deu outra, o céu ficou escuro e ameaçador".

A peta americana Louise Glück, vencedora do prêmio Nobel de Literatura de 2020 - Daniel Ebersole/Reuters

Num jogo que exige o bom uso da penumbra, a beleza é eventualmente maculada pela desolação. "Nunca/ fui muito boa com coisas vivas./ Com luminosidade e escuridão me viro bastante bem", escreve ela em "Sol Poente". E tem razão. Glück consegue alterar por completo a atmosfera dos poemas com a utilização da luz e da sombra —e, longe de apostar em associações pré-concebidas, o que cada uma significa depende do contexto.

Em "Uma História sem Fim", num ambiente que lembra uma sala de espera, o tempo parece, de início, como que suspenso. "Todos nós aqui nesta sala/ continuamos à espera de ser transformados. É por isso que buscamos amor." A metamorfose aguardada pode ser lida de forma literal: eles observam para ver se uma mulher vai, graças ao amor, virar um passarinho.

Não é raro que, em Glück, a memória do amor, ou o próprio amor, surja ora como negação do tempo, ora como negação da morte —e talvez sejam coisas idênticas.

Logo a história de amor ameaça se transformar — e de fato se transforma — em algo diferente. "Será uma verdadeira história de amor,/ se por amor entendemos nosso jeito de amar quando jovens,/ como se o tempo não existisse." Mas o tempo existe e, no universo soturno de Glück, avança depressa. A noite traz com ela não a escuridão, mas a iluminação artificial e dura que elimina quaisquer ilusões e ambiguidades: "Automaticamente/ as luzes se acenderam". Não há pássaro algum, só uma mulher que desperta confusa.

O trecho dialoga com os dois apaixonados de "Poema", que, ao contrário do casal que observam de longe, não voam pelos céus. Eles se deixam cair do topo da mesma montanha, mas as correntes de ar não são nada favoráveis. "Para baixo e para baixo e para baixo/ é aonde o vento está nos levando." As palavras dela não o consolam, nem sua canção. "Depois estamos simplesmente caindo—// E o mundo passa,/ todos os mundos, cada um mais belo que o outro;// Toco sua face para protegê-lo—"

O poema termina assim, sem um ponto final. Não há, é claro, como retardar ou impedir a queda. E é disso que se trata a poesia tardia de Glück —do segundo de contemplação agridoce antes que se atinja o solo, seja pelo fim do amor ou pela própria morte. E lá está, o instante de beleza antes do nada, a brancura da neve cintilando uma última vez, uma presença reconfortante na derradeira curva, uma velha lembrança das estrelas luzindo em meio às árvores, um toque suave no rosto para proteger aquele que no fundo não se pode sequer confortar.

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