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'Por que Escrever?' evoca judaísmo e confirma as obsessões de Philip Roth

Reunião de escritos sobre literatura se desenvolve em torno de temas como misoginia e admiração por Kafka

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Luisa Destri

Por que Escrever

  • Preço R$ 89,90 (568 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Philip Roth
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Jorio Dauster

Os 37 textos de "Por que Escrever?", de Philip Roth, não chegam a oferecer expressamente uma resposta à pergunta-título. No conjunto de ensaios, entrevistas e discursos, porém, se formam alguns núcleos a partir dos quais é possível imaginar as razões que o levaram ao ofício.

Esses motivos, além de organizar o livro, coincidem quase sempre com as obsessões e idiossincrasias do autor, morto em 2018 e considerado um dos maiores romancistas de língua inglesa.

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O escritor americano Philip Roth, em sua casa em Nova York - Philip Montgomery/The New York Times

Central tanto à ficção de Roth quanto aos textos do volume, o judaísmo surge inicialmente na forma das respostas que o autor ofereceu ao longo da carreira às acusações de antissemitismo, dirigidas já a seus primeiros títulos, intensificadas após a publicação de "O Complexo de Portnoy", em 1969, e decisivas, como afirma o próprio escritor, para a sua carreira.

"Fui considerado uma figura perigosa quando ainda usava fraldas. Estranhamente, o furor logo no início talvez tenha dado à minha obra uma direção e ênfase que de outro modo não teria", disse, numa entrevista concedida em 1984 ao Sunday Times de Londres.

O tema surge também como uma questão de tradição literária, como mostra a sequência de conversas com escritores judeus na segunda parte do livro, "Entre Nós: Um Escritor e Seus Colegas Falam de Trabalho", que reproduz integralmente "Shop Talk", publicado nos Estados Unidos em 2001.

Excelente leitor, Roth traz iluminações precisas sobre a obra de Primo Levi e conduz uma conversa saborosa com Edna O’Brien, além de retratar com afeto e sensibilidade a condição de Ivan Klíma na Tchecoslováquia –para citar alguns, talvez os melhores, exemplos da seção.

Ainda que, generoso, o romancista expresse admiração por diferentes autores, é Franz Kafka que emerge como a figura de predileção. Além de surgir em diferentes momentos em comentários literários, o escritor tcheco se torna protagonista de "Eu Sempre Quis que Vocês Admirassem Meu Jejum", ou "Contemplando Kafka", texto de abertura que combina ensaio de leitura e exercício ficcional —imaginando o autor de "A Metamorfose" como professor de hebraico de um Philip Roth ainda ignorante, aos nove anos, de sua vocação literária.

Outra acusação que por décadas acompanhou a trajetória de Roth, a de misoginia, motiva a presença de um tema que costura reflexões diversas ao longo do livro –a representação das mulheres em sua obra.

Em entrevista à The Paris Review, em 1985, ele procura separar o que considera uma "leitura imbecil" de "Quando Ela Era Boa" do "ataque feminista" mencionado pela entrevistadora –a crítica literária britânica Herminone Lee, que três anos antes havia publicado um longo estudo sobre sua obra.

Única protagonista feminina de Roth, Lucy Nelson se presta a um exame da natureza da raiva, defende o romancista, que completa "ela só é apresentada ‘de modo hostil’ caso seja um ato de hostilidade reconhecer que jovens mulheres podem ser feridas e podem se encolerizar'. "Aposto que existem até mulheres enfurecidas e feridas que são feministas."

Pouco simpático à demanda por representatividade na literatura, Roth expõe os fundamentos de sua concepção literária em formulações lapidares, capazes de se ajustar aos personagens tanto judeus quanto femininos.

"As obras literárias não tomam como tema personagens que impressionaram o escritor particularmente pela frequência com que aparecem na população", afirma, em resposta a um rabino que procurava em sua obra "um retrato equilibrado" do judaísmo.

O raciocínio se completa em outra passagem, que parece já não pertencer aos termos atuais do debate literário. "O teste de qualquer trabalho literário não está em saber a amplitude de sua representação, mas na veracidade com que o autor revela o que escolheu para representar."

A relação entre vida e obra, que marca a recepção de seus livros e, na sua própria visão, explica seu sucesso comercial, se insinua entre os mais diversos assuntos, levando o autor ora a rebaixar leitores que se deixam mover por essa curiosidade, ora a flertar com a ideia de ficção autobiográfica –especialmente quando conclama a não ficção a sair "de detrás do biombo de disfarces, invenções e artifícios do romance".

Para aqueles que entram no livro à procura de alguma confissão, a surpresa talvez esteja em "Suco ou Molho?", no qual o autor se mostra desarmado diante da brincadeira dadaísta. Revelando o papel do acaso e do desejo de controlar isso em suas criações, Roth oferece uma explicação nonsense e encantadora de como começou a escrever cada um de seus cerca de 30 livros.

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