Descrição de chapéu

Quem tem medo de Amber Heard?

Repórter responde a roteirista que a criticou por supostamente torcer por Johnny Depp na Ilustrada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Coisa estranha ter que dizer que uma frase minha foi usada fora de contexto. Essa desculpa, frequentemente esfarrapada, vive sendo usada como defesa de gente que se pega tendo que explicar uma besteira dita no passado, ou um tuíte que escreveu achando que ia ser engraçado, ou promessa de campanha feita antes de ser eleito para um cargo público.

Em geral, não é coisa de gente honesta, pelo menos é sempre assim que me soa. E não, não pesquisei nada a respeito, não tenho números, dados, pesquisas, nada que corrobore essa impressão.

À frase, então. "a presença de Johnny Depp é infinitamente mais encantadora que a de Amber Heard. Ele é gentil, ela é arrogante. Ele é divertido, ela é impaciente. Ele é famoso, ela é desconhecida. Os jurados se sentiram atraídos, mais confortáveis com a voz dele".

Reparou que começa com letra minúscula? Pois é, ela não começa assim na análise que escrevi, publicada na capa da Ilustrada, o caderno de cultura da Folha, no dia seguinte ao veredito do julgamento Depp vs Heard.

Amber Heard e Johnny Depp
Amber Heard e Johnny Depp em foto de 2015 - Tiziana FabiAFP

E o texto em que ela foi citada, escrita por minha colega Helen Beltrame-Linné, intitulado "Veredito Depp revela necessidade de histórias contadas por mulheres", foi publicado no site da Folha no último dia 9/6. Mais de uma semana depois do fim do julgamento. Nela, Helen argumenta que Amber Heard perdeu o julgamento porque não se encaixava no perfil que fazemos de uma mulher abusada sexualmente, fisicamente e psicologicamente.

Mas ela usou a frase, que eu escrevi e não renego, realçada na capa da Ilustrada para insinuar que aquela minha análise, auxiliada pela foto, pelo título, pela legenda e, principalmente, pelo texto em destaque, afirmava que Johnny Depp tem qualidades, e Amber Heard, defeitos. Portanto, ele deve estar certo, e ela, errada.

Não era esse o sentido da frase, como qualquer pessoa que leu o texto inteiro percebeu (espero). A ideia era dizer que Johnny Depp foi favorecido por ter sido julgado por um júri popular, pessoas comuns, que não necessariamente conhecem as leis nem têm experiência com psicanálise ou com casos de mulheres abusadas ou homens violentos e que podem ser influenciáveis pelo carisma de uma pessoa.

Esse não foi o primeiro texto que escrevi a respeito desse julgamento, que acompanhei desde o começo, porque percebi logo cedo que tudo que estava acontecendo naquele tribunal era um marco de exposição sem filtros como não se tinha visto até então de duas pessoas usualmente protegidas pelas engrenagens da indústria de entretenimento.

No tempo das redes sociais, em que as celebridades parecem mostrar muito mas na verdade só mostram o que escolhem cuidadosamente para os outros, ver dois atores de Hollywood dando show de vexame, num julgamento em que o suposto agressor processa a vítima por difamação, depois de ter perdido uma ação e um recurso no Reino Unido, em plena era #metoo, era novidade para mim.

Surpreendentemente, também não foi o primeiro texto de Helen sobre o julgamento. E olha que ela transita no mundo da alta cultura, não no baixo clero do entretenimento das massas. O primeiro texto dela foi publicado um dia antes do veredito, e o título era "Johnny Depp fez de Amber Heard uma vilã megera em júri circense".

E a primeira frase é essa: "Foi por puro acaso que assisti ao início do julgamento entre Johnny Depp e Amber Heard". Ela disse que clicou na newsletter "por pura curiosidade". Na sequência escreve que foi tomada por uma empatia triste por aquele milionário infeliz. Mas, depois, vendo os memes que estouraram por todos os lados ridicularizando Amber Heard, ficou com raiva dele.

Eu, por outro lado, repórter focada em cultura e comportamento, achei que o julgamento estava bem na intersecção das áreas pelas quais tenho maior interesse pessoal e profissional. É sobre isso que escrevo diariamente e produzo livros eventuais. Saber o que acontece nesse universo, no meu caso, significa sobrevivência.

Esse veredito, esse julgamento, tomaram uma proporção enorme, muito maior e cheia de desdobramentos inquietantes que eu jamais poderia sonhar quando comecei a acompanhar. Como quase tudo que acontece nos nossos dias, infelizmente, um lado (o de Amber) foi adotado pela esquerda, outro (o de Depp) pela direita.

E, como o machismo com que convivemos desde sempre teve uma enorme vitória com a decisão do júri, dá a impressão de que os homens estavam todos esperando uma mulher triscar para puxar de volta o pêndulo dessa história para o lado deles, e assim poder voltar a nos tachar de loucas e mentirosas.

Mas eu não vou entrar nessa espiral filosófica. Assim como grande parte das matérias, análises, artigos de opinião que se publica, o título deste texto foi pensado sob medida para atrair o leitor. Assim, também, se escolhem as imagens que acompanham uma reportagem ou as frases que são destacadas na edição. No jargão jornalístico, são "entradas" para o texto.

Lamento muito se você chegou até aqui esperando uma resposta para a pergunta do título. Ele serve para chamar a sua atenção. Ou, como cantou dona Ivone Lara "foram me chamar, eu estou aqui o que é que há"?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.