Justiça cancela show de Wesley Safadão e limita valor de cachês em Alagoas

Especialistas apontam, no entanto, que ato pode representar interferência do Judiciário

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo e Salvador

A Justiça determinou nesta quarta-feira que o estado de Alagoas e a cidade de Viçosa, que pagou um cachê em torno de R$ 600 mil para o cantor Wesley Safadão, não podem ultrapassar os valores de R$ 50 mil e R$ 20 mil, respectivamente, na contratação de artistas. O show no interior do estado também foi cancelado após pedido do Ministério Público de Alagoas.

O cantor Wesley Safadão
O cantor Wesley Safadão - Romilson/Divulgação

O município não pode ultrapassar R$ 100 mil na contratação geral de artistas, segundo a decisão, enquanto esse limite fica em R$ 500 mil para todo o estado —mas o texto não deixa claro se esses valores são só para as festas de São João especificamente. A juíza Juliana Batistela Guimarães de Alencar também determina que o descumprimento da decisão acarreta multa de R$ 100 mil.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, no entanto, essa limitação dos cachês pode representar interferência do Judiciário na atuação dos poderes executivo estadual e municipal.

A Justiça argumenta que não há justificativa para um gasto desse porte em shows enquanto "condições básicas de vida digna dos cidadãos não estão sendo atendidas". O documento ressalta ainda que cidades do estado também entraram em emergência devido às fortes chuvas no último mês.

"O que se vê na prática é a velha política iniciada na Roma antiga do 'pão e circo' que entrega aos cidadãos um lazer esporádico e momentâneo, em detrimento de condições estruturantes, que convergiriam para a formação de indivíduos socialmente emancipados e com condições dignas de vida", argumenta a juíza.

A decisão compara que o valor gasto no show de uma hora de Safadão é o suficiente para pagar um mês de trabalho de cerca de 160 professores da educação básica ou 200 enfermeiros.

Advogada especializada no setor cultural, Aline Akemi Freitas afirma que "se não houve a comprovação de irregularidade na execução do orçamento ou dos processos de contratação, me parece que a limitação dos cachês representa interferência do Judiciário na atuação dos poderes executivo estadual e municipal".

Segundo ela, se a lei orçamentária aprovada pelo legislativo previa o gasto com o show, não há razão para a proibição nem justificativa para limitar os cachês. Seria como a juíza dizer "que o município só pode gastar 'x' na construção de uma escola ou de uma ponte", afirma a advogada.

Cris Olivieri, advogada especializada em cultura e entretenimento, lembra que esses shows não precisam de licitação para contratar. Isso porque não é possível comparar o trabalho artístico de cantores como se faz com produtos numa construção, por exemplo.

"Como eu vou comparar o Caetano Veloso com o Gilberto Gil numa contratação? São coisas incomparáveis", exemplifica ela. Isso não significa que a verba pública não tenha regras para essa contratação. Uma delas é ter uma documentação que comprove que este cachê é, de fato, o cachê cobrado por artistas em outros eventos.

No caso de Safadão, profissionais afirmam que o valor de R$ 600 mil é compatível com o cobrado pelo cantor. Além disso, a decisão também não se debruça sobre a regularidade da contratação, lembra Olivieri, para quem essa é uma avaliação de cunho "emocional".

"O que caberia ao juiz é olhar para o procedimento de contratação. Não cabe ao Judiciário definir o limite de cachê, nem para artista nem para qualquer outra coisa", diz ela.

Vale lembrar que há uma série de razões para se investir no setor cultural. A começar pela própria Constituição, segundo a qual o Estado deve garantir "a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional".

Economicamente este também é um setor dinâmico que traz retorno financeiro e gera empregos, além de poder ser um vetor de desenvolvimento econômico.

A Cultura também não é a área com orçamento mais gordo do Brasil, como mostra reportagem da Folha. A renúncia fiscal na cultura é cerca de 25 vezes menor do que a renúncia fiscal para comércio e serviços, por exemplo.

​O cancelamento do show de Safadão e e a imposição de um teto para os cachês acontecem enquanto uma série de shows são investigados em pelo menos 29 municípios do Brasil.

Tudo começou após o sertanejo Zé Neto criticar a cantora Anitta e fazer um discurso anti-Rouanet, o que motivou uma série de denúncias de cachês pagos com verbas das prefeituras.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte também pediu a Justiça que cancele um show de Wesley Safadão em Mossoró, cidade a 288 quilômetros de Natal, marcado durante uma celebração junina paga pela prefeitura.

VEJA QUAIS SÃO AS CIDADES COM SHOWS INVESTIGADOS PELO MP

São Luiz (RR)
O Ministério Público de Roraima vai investigar a Prefeitura de São Luiz pela contratação de um show de Gusttavo Lima por R$ 800 mil. Localizada a 275 quilômetros de Boa Vista, a capital do estado, São Luiz tem 8.232 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. É como se cada morador, entre adultos e crianças, estivesse pagando um ingresso de cerca de R$ 100 para custear o cachê do cantor. Leia mais.

Teolândia (BA)
O Tribunal de Justiça da Bahia cancelou na última sexta-feira (3) um show de Gusttavo Lima com cachê de R$ 704 mil pago pela prefeitura de Teolândia, cidade baiana a 278 quilômetros de Salvador, durante a Festa da Banana, uma comemoração tradicional da cidade. Depois de a Justiça voltar atrás e liberar o evento no sábado, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu novamente a festa no último domingo (5). Leia mais.

Mossoró (RN)
O Ministério Público do Rio Grande do Norte pediu que a Justiça cancele shows de Wesley Safadão e Xand Avião em Mossoró, cidade a 288 quilômetros de Natal, marcados para as próximas semanas durante uma celebração junina paga pela prefeitura. Leia mais.

Magé (RJ)
O Ministério Público do Rio de Janeiro abriu um inquérito para apurar se houve irregularidades na contratação de Gusttavo Lima para um show em Magé, a cem quilômetros da capital fluminense, por R$ 1 milhão. A contratação, embora a princípio não seja ilegal, chamou a atenção do MP porque o cachê é dez vezes maior que o valor que a Prefeitura de Magé deve investir em atividades artísticas e culturais durante o ano todo. Leia mais.

Conceição do Mato Dentro (MG)
A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, cidade mineira a 163 quilômetros de Belo Horizonte, usou uma verba destinada a saúde, educação, ambiente e infraestrutura para pagar o cachê de R$ 1,2 milhão que Gusttavo Lima vai receber por um show marcado para este mês.

O show faz parte da 32ª Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus do Matozinhos, onde também vão se apresentar Simone & Simaria, Israel & Rodolffo e outros artistas do mesmo porte. Antes da ação do MP, o investimento da prefeitura para pagar os cachês era de cerca de R$ 2,3 milhões. Leia mais.

Mato Grosso
O Ministério Público de Mato Grosso decidiu apurar se houve irregularidade na contratação de cantores, sobretudo do sertanejo, por cachês que ultrapassam R$ 1 milhão em 24 prefeituras do estado —Gaúcha do Norte, Porto Alegre do Norte, Figueirópolis d'Oeste, Sorriso, Nortelândia, Salto do Céu, Alto Taquari, Novo São Joaquim, Nova Mutum, Sapezal, Canarana, Acorizal, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingu, Vera, Barra do Garças, Juína, Querência, Bom Jesus do Araguaia, Santa Carmem, Matupá, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte. Leia mais.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.