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Cinema mostra de cinema

Entenda como Elvis Presley revolucionou o sexo e a cultura

Cantor que retorna em filme promoveu reviravolta na música, se infiltrou em Hollywood e terminou com voz divina

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Paulo Santos Lima

Elvis não morreu. Repetida há 45 anos sob os mais diversos sentidos e desejos, a frase poderia ser aplicada agora ao filme "Elvis". Porque só Elvis Presley poderia fazer de um longa de Baz Luhrmann algo esteticamente coerente e interessante. Elvis, como sempre, e até mesmo intermediado por um cineasta como Luhrmann, mobiliza todos os olhos, tímpanos e corações do mundo.

Elvis não morreu, também, não só porque sua presença paira pelas 784 músicas que gravou, pelos 31 filmes ora ordinários e ora interessantes que estrelou e pelos 1.684 shows que, de certo modo, ainda parecem ecoar aqui e agora.

Elvis continua entre nós porque sua imagem permanece viva. Há Marilyn, Gandhi, Guevara, Lennon, Buda e Cristo, claro, mas Presley parece abrigar todo um estado de coisas do século 20, da revolução comportamental à indústria cultural.

Austin Butler no filme "Elvis", de Baz Luhrmann
Austin Butler como o rei do rock no filme 'Elvis', de Baz Luhrmann - Divulgação

Elvis está em consonância com o que Walter Benjamin escreve em "A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica", que de certo modo enseja o que, mais tarde, Jean Baudrillard falará sobre o simulacro. Aqui, uma reprodução não careceria mais de sua matriz, ela por si já seria "autêntica".

Andy Warhol também trabalharia um pouco nesse conceito, e não à toa Elvis —assim como Marilyn Monroe e as latas de sopa Campbell— seria retratado na icônica tela de 1963 em que ele aparece replicado. A imagem de Elvis é Elvis.

A imagem é também um meio interessante de perceber melhor a obra genial de Elvis Presley. E fugir do usual enquadramento sensacionalista —mesmo com Elvis— de ascensão e queda típico das biografias de artistas gênios e excêntricos, de Mozart a Picasso.

A história de Elvis é conhecida ou bastante acessível. Em suma, ele revoluciona ao dissolver fronteiras musicais e levar o gospel, o blues, o R&B e até mesmo o country para o que seria a gênese mais potente do rock.

Não só, seu feito se dá numa selvagem mise-en-scène de palco, olhar felino à plateia e uma insinuação sexual impensável ali na metade dos anos 1950. A voz absoluta de um Frank Sinatra entrava muito fundo nas pessoas, mas a de Elvis Presley parecia tomar todo o corpo antes de o penetrar. Os conservadores foram para cima.

Muito por isso, já em 1956, Elvis quis ser um grande ator de cinema tal qual James Dean e Marlon Brando. Mas Hollywood quis dele o seu maior talento –ser Elvis Presley. Fez alguns filmes notáveis, como "Balada Sangrenta", dirigido por Michael Curtiz em 1958. Frequentou o cinema de entretenimento dos anos 1960 e depois a "Sessão da Tarde" em dançantes comédias românticas como "Feitiço Havaiano", de Norman Taurog, e o entusiástico "Viva Las Vegas", de George Sidney.

Em todos eles, Elvis cantava em algum momento. E, em todos eles, ainda, o ator Elvis Presley era Elvis Presley, o rei do rock. E ali estava um artista sob controle, pouco a ver com a pélvis movente que ele levava aos shows. Hollywood, quase sempre eficaz em acalmar as excentricidades para um "bem maior".

Foi uma década intimamente complicada para Presley. Ele, que foi estopim de uma vasta mudança comportamental e artística nos Estados Unidos, assistiria sentado aos Beatles e à contracultura ganhando vulto. Até encontrar, em 1968, a sua revolução pessoal. O show de final de ano da NBC seria para a família, celebrando o Natal, mas o encontro entre Elvis e o diretor Steve Binder gerou uma obra-prima da história da música.

Aquele "'68 Comeback" traria um Elvis sugerindo pulsão sexual, mas no banquinho e violão (e guitarra) cantando uma fortuna do cancioneiro e, mais importante, remetendo aos direitos civis e à brutal morte de Martin Luther King. Esse Elvis de roupa de couro preta ou um belíssimo terno alvo, com seu primeiro nome projetado em lâmpadas ao fundo remetia àquele artista rebelde, pulsante e libertário lá de trás.

Os anos 1970 não foram muito fáceis para o astro, mais do que nunca preso ao seu empresário, o Coronel Tom Parker, um pilantra que, de certo modo, abriu a ele muitas portas da mesma forma que o manteve acorrentado a situações absurdas.

É nesse período que a imagem –até então a mesma desde os anos 1950– ganha algumas pinceladas mais fortes, com as costeletas ganhando volume extra, as roupas mais carregadas de adereços e performance mais apoteótica.

Há quem absurdamente ache o Elvis dos anos 1970 meio over, senão decadente. Na verdade, mais que nunca, Elvis se torna uma espécie de esfinge. Assume a sua voz de barítono —a voz de Deus— e ganha ali uma dimensão monumental.

É como se ele fosse um sol que emanasse sua luz, ou seja, sua arte irradiando para todo o palco, dos instrumentistas às brilhantes cantoras do coral. Elvis como uma entidade que habita o imaginário coletivo, parte de uma cultura material eterna, imortal.

Essa imortalidade do Elvis artista, sua imagem em suma, exigia contudo uma consumação do corpo físico. O símbolo sempre transcende a imanência, e sua expansão é uma espécie de libertação do limitado mundo físico para um imaginário coletivo.

​Sem dúvida, isso é explorado pelos capitalistas e pela sede de seu fiel público, mas Elvis talvez tivesse como maior meta e vício —mais que os barbitúricos, o álcool e iguarias gordas— construir uma iconografia própria. E, voz e imagem se confundindo, ele jamais parou de subir aos palcos. Até sua morte. Ainda que Elvis não morreu.

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