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Entenda por que Beyoncé em 'Renaissance' seguiu as velhas regras do mercado

Em 'Lemonade', cantora criou novas formas de promover sua música, mas seguiu os conceitos consolidados em disco recente

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Joe Coscarelli Ben Sisario
The New York Times

Um single inicial dançante, pronto para o rádio. Um título de álbum e uma data de lançamento anunciados com muita antecedência. Uma reportagem de capa em uma revista, seguida por uma declaração pessoal de intenções, uma nova conta de mídia social, uma lista detalhada de faixas e uma campanha de venda antecipada de mercadorias.

Para a maioria dos cantores, essa é a lista tradicional na agenda de lançamento de um novo álbum importante. Mas no caso de Beyoncé, que passou os 10 últimos anos desordenando todas as convenções sobre como comercializar música, o lançamento de seu novo disco, "Renaissance", na sexta-feira, representa uma alteração notável – e talvez uma admissão tácita de que o jogo mudou. ​

Beyoncé deve seguir as regras do mercado em lançamento de novo disco, "Renaissance". - Divulgação

Antes de "Renaissance", o sétimo álbum solo de estúdio da cantora, a última vez que ela havia participado de um lançamento conduzido de acordo com o manual do setor aconteceu em 2011, com o disco "4". O presidente Barack Obama ainda não tinha terminado seu primeiro mandato, e uma startup europeia de música chamada Spotify estava apenas chegando aos Estados Unidos. De lá para cá, não há muita coisa na fórmula de vendas de música nova que Beyoncé não tenha mudado, desordenado ou desmantelado completamente.

Primeiro veio "Beyoncé", o "álbum visual" surpreendente que ela lançou em 2013, estabelecendo um novo paradigma. Em seguida, foi a vez de "Lemonade" (2016), um tour de force carregado de alusões que chegou com ainda mais mistério, como um filme para a TV a cabo. Ao formar uma parceria firme com o Tidal, um serviço de streaming na época controlado por seu marido, Jay-Z, e com gigantes da mídia como HBO, Disney e Netflix, Beyoncé posicionou uma sucessão de projetos multimídia ambiciosos como obras a serem cobiçadas e avaliadas cuidadosamente, em lugar de oferecê-las de forma a facilitar o acesso e maximizar o consumo.

O álbum, e a maneira inovadora pela qual a cantora o lançou, ajudaram Beyoncé a ganhar uma imensa estatura artística. Mas também serviram para distanciá-la da música pop convencional, de alguma maneira, isolando seu material – "Lemonade" só veio a estar disponível amplamente nas grandes plataformas de streaming três anos depois de seu lançamento oficial, e o filme completo do álbum continua disponível apenas no Tidal.

O último single de Beyoncé como artista solo que chegou ao topo da parada de sucessos, "Single Ladies (Put a Ring on It)", saiu no final de 2008. A despeito do fato de que seus 28 prêmios Grammy fazem dela a mulher mais premiada da música, ela não recebe um prêmio em qualquer das categorias mais importantes desde 2010. A execução de seus novos lançamentos no rádio caiu significativamente desde "4". E embora seus seis discos solo tenham chegado ao topo das paradas, outros de seus projetos, como "Everything Is Love" (um disco que ela gravou com Jay-Z e os dois lançaram de surpresa), a trilha sonora do filme "O Rei Leão" e seu disco ao vivo "Homecoming", não chegaram ao primeiro lugar das paradas.

Retrato de Beyoncé para a divulgação do disco "Renaissance". - Divulgação

Mas o paradoxo de Beyoncé significa que, ainda que ela tenha caído um pouco nas paradas, seu prestígio cultural mais amplo se manteve supremo, propelido pela mística e grandeza que ela confere a cada trabalho. ("Meu sucesso não pode ser quantificado", ela cantou em "Nice", de 2018, expressando desdém pelas estatísticas dos serviços de streaming.)

"Ela continua a ser uma líder na cultura, a despeito de alguns indicadores relativamente mínimos quanto a um declínio em suas vendas de álbuns e número de execuções no rádio", disse Danyel Smith, veterana jornalista de música e autora do recente livro "Shine Bright: A Very Personal History of Black Women in Pop".

"Há pessoas que existem nesse mundo para mudar a cultura", disse Smith em uma entrevista. "Os singles, os álbuns, as execuções no rádio importam em alguma medida, mas o que realmente importa é que aquilo que ela faz e nos leva a olhar em direções novas".

Desde o começo, porém, o lançamento de "Renaissance" foi diferente, mais transparente, mais convencional. Descrito por Beyoncé, 40, em um post no Instagram, um mês atrás, como "um lugar em que posso me libertar do perfeccionismo e de pensar demais", o álbum está sendo posicionado de forma a conscientizar o consumidor de massa e despertar a empolgação dos fãs, com quatro "box sets" diferentes e uma edição limitada em vinil cuja tiragem completa já foi vendida no site da cantora.

"Ela e sua equipe reconheceram que as coisas mudaram desde o lançamento de seu álbum anterior, e que ela precisava fazer um lançamento convencional e completo", disse Rob Jonas, presidente-executivo do Luminate, o serviço de estatísticas musicais que está por trás das paradas de sucesso da Billboard.

Um risco importante dessa estratégia antiquada de lançamento – que requer que cópias físicas do álbum sejam produzidas com grande antecedência – se concretizou na quarta-feira, quando "Renaissance" parece ter vazado na íntegra na internet. Contas de fãs na mídia social especulavam que as faixas que circularam podem ter vindo de CDs vendidos prematuramente na Europa.

Imediatamente, a base de fãs ferozmente protetora de Beyoncé, conhecida como BeyHive, entrou em ação, buscando desencorajar os ouvintes das versões piratas, e agindo para denunciar aqueles que estavam espalhando as faixas extraoficiais.

Embora vazamentos de álbuns tenham se tornado ocorrências comuns no momento em os CDs deram lugar aos downloads digitais, e que em alguns momentos possam ter tido efeito devastador sobre as perspectivas comerciais de um novo álbum, a repressão à pirataria digital e a virada em direção a um modelo no qual um disco é lançado primeiro nos serviços de streaming – acompanhadas por lançamentos feitos de surpresa como os de trabalhos anteriores de Beyoncé – reduziram a ameaça que essa prática representava.

A última vez que Beyoncé tinha sofrido um vazamento grave de conteúdo foi quando estava se preparando para lançar "4", em 2011, e declarou aos seus ouvintes que "embora essa não fosse a maneira pela qual eu desejava apresentar minhas novas canções, aprecio a resposta positiva dos meus fãs". (Representantes de Beyoncé e de sua gravadora se recusaram a comentar sobre sua estratégia de lançamento e não responderam de imediato a perguntas sobre o vazamento.)

Nos bastidores, o luxo de estar informado com antecedência e – aleluia! – a circulação de um single promocional distribuído antecipadamente é uma maneira de oferecer àqueles que controlam o acesso à música, como as estações de rádio e os serviços de streaming, a rampa de lançamento de que precisam para se envolver na campanha de promoção do disco.

"Ter qualquer coisa disponível antes que disco saia é um presente", disse Michael Martin, vice-presidente de programação da Audacy, que opera mais de 230 estações de rádio nos Estados Unidos. "Quando você tem tempo para se preparar, pode ser um parceiro de marketing melhor para o artista, seus empresários e a gravadora. Você pode ter tudo preparado para sair assim que o projeto entra no ecossistema. E é isso que todo mundo quer. Ninguém gosta de trabalhar na correria".

Retrato de Beyoncé para a divulgação do disco "Renaissance". - Divulgação

"Break My Soul", uma faixa que remete à dance music da década de 1990, e o primeiro single de "Renaissance", foi lançada mais de um mês atrás. Executada 57 milhões de vezes nos serviços de streaming e 61 mil vezes nas rádios dos Estados Unidos, de acordo com a Luminate, a canção no momento ocupa o sétimo posto da parada Billboard Hot 100 – sua posição mais alta até agora, e a primeira vez que uma faixa de Beyoncé como artista principal chega às 10 mais nos últimos 10 anos. (Seus dois mais recentes sucessos nas paradas vieram como cantora convidada: "Perfect Duet", com Ed Sheeran, em 2017, e "Savage Remix", com Megan Thee Stallion, em 2020.)

Outro desdobramento importante é o recente desembarque de Beyoncé no TikTok, o lar dos vídeos curtos e compartilháveis que vem sendo um dos principais propulsores de sucessos musicais nos últimos três anos, e uma plataforma que ajudou a promover estrelas mais jovens como Lizzo e Cardi B.

Este mês, a conta oficial de Beyoncé postou os primeiros vídeos dela no TikTok – uma montagem, que mostrava fãs da cantora, entre os quais Cardi B, dançando ao som de "Break My Soul", seguida por um vídeo que mostrava a arte da capa da versão em vinil de "Renaissance" – e a cantora recentemente colocou todo seu catálogo à disposição dos usuários da plataforma que desejem usar as canções dela em seus vídeos.

Os vídeos curtos "promovem uma grande conscientização e consumo derivado", disse Jonas, da Luminate. Mesmo antes de ela criar uma conta no serviço, faixas de Beyoncé como "Savage Remix" e "Yoncé" já prosperavam no TikTok.

Ainda não se sabe se o lançamento convencional de "Renaissance" representará um retorno ao domínio total do pop por Beyoncé, mas continua a existir a possibilidade de que a cantora tenha mais jogadas preparadas. O álbum, afinal, foi definido por ela como um "primeiro ato", o que indica que ele pode ser parte de um projeto maior.

"Parece que ela está seguindo demais as regras, no momento", disse Jonas. "Não me surpreenderia se houvesse uma reviravolta da qual ainda não estamos cientes."

Tradução: Paulo Migliacci

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