Guilherme de Pádua ameaça censurar biografia de Daniella Perez

Bernardo Braga Pasqualette, que finaliza livro sobre a atriz assassinada, recebeu mensagens da atual mulher do ex-ator

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São Paulo

O pesquisador Bernardo Braga Pasqualette, que está em processo de finalização de uma bioografia sobre a atriz Daniella Perez, diz que recebeu ameaças de Juliana Lacerda, atual mulher de Guilherme de Pádua, para que ele não publique a obra, que sairá pela editora Record.

"Ele vai travar esse livro", diz uma das mensagens, a que este repórter teve acesso, enviadas por ela ao autor por meio de uma rede social. "O advogado dele vai resolver isso tudo. Vamos falar supermal e processar."

A atriz Daniella Perez na última cena que gravou na novela 'De Corpo e Alma', em 1992
A atriz Daniella Perez na última cena que gravou na novela 'De Corpo e Alma', em 1992 - HBO Max/Divulgação

Hoje em liberdade, Guilherme de Pádua foi condenado a uma pena de 19 anos de prisão pelo assassinato de Daniella Perez, que era sua parceira de cena na novela "De Corpo e Alma". Em 28 de dezembro de 1992, o corpo da atriz foi encontrado num matagal na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, ferido por 18 estocadas, a maioria concentrada na região do coração.

A história é rememorada na minissérie documental "Pacto Brutal", que estreou nesta semana na HBO Max, com direção de Guto Barra e Tatiana Issa. Em paralelo, e na esteira do aniversário de 30 anos do crime, Pasqualette prepara o livro "Daniella Perez: Biografia, Crime e Justiça", que conta a vida da atriz morta aos 22 anos e os bastidores de seu assassinato e do julgamento dos acusados.

De Pádua era casado na época com Paula Thomaz, que também foi condenada e que também já cumpriu a pena pelo homicídio. Em 2017, o ex-ator e hoje pastor batista se casou com Juliana Lacerda, que é quem geralmente fala pelo marido, afastado das redes sociais por vontade própria.

Pasqualette, que é autor de uma biografia sobre o ex-presidente Figueiredo chamada "Me Esqueçam", vem tentando nos últimos anos falar com todos os envolvidos no caso, mas nem os condenados nem a autora de novelas Gloria Perez, mãe da atriz, aceitaram conceder entrevistas. Nesta semana, o jornalista tentou acionar Guilherme de Pádua mais uma vez, por meio das redes sociais de Juliana, e teve as ameaças como resposta.

"O Guilherme tem advogados, e te falo com muito respeito [para ter] cuidado com seu livro", diz uma das mensagens que o autor recebeu da atual mulher do ex-ator. "Não poderá falar sobre o nome dele. Que Deus tenha misericórdia porque ele e eu não gostamos nada nada disso."

​Pasqualette afirma que, como pesquisador, não poderia deixar de oferecer aos condenados pelo crime e às suas defesas a possibilidade de falarem na obra. "Não entendo a razão das ameaças, mas tampouco tenho medo delas", diz. "Faço o meu trabalho como autor de não ficção com educação, seriedade e, principalmente, isenção. Não vou mudar."

Para Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Uerj, a ameaça de censura "não tem fundamento, é uma bravata".

"Não existe direito ao esquecimento no Brasil porque não existe essa possibilidade de alguém não ser lembrado por fatos que sejam desabonadores", afirma. "E se os fatos são notórios, não é necessário ter autorização da família nem do próprio biografado para a realização de qualquer obra. O Supremo Tribunal Federal declarou isso de maneira expressa."

O jurista se refere ao fato de que o STF, em julgamentos distintos, não só esclareceu que não há necessidade de haver autorização prévia para a publicação de biografias quanto afirmou que não existe, no ordenamento brasileiro, um direito ao esquecimento. Binenbojm esteve à frente dos dois casos.

"É um direito da sociedade, em qualquer democracia, saber da história da violência, dos seus costumes. A história de assassinatos brutais têm de ser contada, sim", afirma. "E não há um direito, por parte de um criminoso, de que isso não seja revelado."

Vida privada e intimidade são questões que não entram nesse cômputo em específico. "Elas são garantias constitucionais e não podem ser negligenciadas, por exemplo no caso de se preservar um sigilo bancário, telefônico, fiscal. Mas um crime é um assunto de interesse público e o acesso aos detalhes sobre ele se dá por meios lícitos."

Paulo Ramalho, que foi advogado de Guilherme de Pádua no julgamento do assassinato de Daniella Perez, se diz surpreso com a notícia da ameaça de censura vinda da mulher de seu antigo cliente. "Acho um disparate. O Judiciário certamente não vai proibir nada."

Ele ainda lembrou que nos anos 1990 o ex-ator também tentou lançar um livro, "A História que o Brasil Desconhece", contando a sua versão sobre o crime, mas a obra acabou sendo proibida de circular após pedido de Gloria Perez, mãe da vítima.

"O próprio Guilherme foi censurado, brigou pelo direito de publicar uma obra e agora quer brigar com o direito dos outros?", questiona Ramalho. "Parece que as pessoas não compreendem a liberdade de expressão e só são a favor dela à medida que ela as favorece."

Há cinco anos, De Pádua se tornou pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em sua cidade natal, Belo Horizonte. Ele concedeu poucas entrevistas sobre o caso, mas seu nome sempre reaparece por aí, como quando criou um canal no YouTube para falar de sua conversão religiosa. Numa de suas últimas aparições públicas, em 2020, foi às ruas num protesto pró-Bolsonaro.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmou incorretamente que Daniella Perez morreu em 28 de janeiro de 1992, e não em 28 de dezembro de 1992. O texto foi corrigido.

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