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Jorge Drexler volta com disco eclético e propõe que não se diga o nome de Bolsonaro

Cantor uruguaio, que apoiou o chileno Boric, apresenta o novo álbum 'Tinta y Tiempo' em turnê pelo Brasil em setembro

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Buenos Aires

A pandemia não tem sido um tempo fácil para Jorge Drexler, de 57 anos. Como conta em entrevista a esta repórter, por videoconferência, de seu apartamento no boêmio bairro madrilenho de Chueca, a reclusão ou o levou a um momento mais reflexivo, "bom por um lado, mas também difícil para a criação. É complicado não ter como compartilhar resultados e preocupação com outros artistas, estar metido em sua própria bolha", explica.

Uma das consequências mais evidentes é que sua família está quase toda no disco. Seus três filhos participam e há uma canção para sua companheira de longa data, a atriz espanhola Leonor Watling —"Cinturón Blanco"—, que trata da necessidade de reinvenção em relações muito duradouras. Há, até mesmo, uma canção dedicada à sua mãe, Lucero Prada da Silveira, com os netos Luca e Leah, seus filhos menores, cantando, e Pablo, o mais velho, tocando guitarra.

Músico uruguaio Jorge Drexler
Músico uruguaio Jorge Drexler - Divulgação

"Creio que isso tem a ver não só com o medo relacionado ao mundo que estávamos vivendo, mas também com a constatação de que, em momentos de pavor, nos aproximamos mesmo é daqueles que são os nossos afetos", conclui.

Variado nas combinações musicais, "Tinta y Tiempo" —o 14º álbum do cantor, lançado agora no Brasil—, inclui samba, candomblé, funk carioca e ares milongueiros. Drexler também abusou das parcerias, que deram ainda mais ecletismo ao álbum. Há faixas com a Orquestra da Comunidade de Madri, dirigida por Fernando Velázquez, com o rapper espanhol C. Tangana, o panamenho Rubén Blades e a israelense Noga Erez.

Apesar de viver em Madri há 23 anos, Drexler não esquece sua raiz na música platense, da região onde se criou. "Aproveitei a primeira janela que houve durante a pandemia para viajar a Montevidéu e gravar com meu compatriota Martín Buscaglia".

Nas últimas semanas, Drexler fez shows na Europa ao lado de Marisa Monte. "O Brasil é uma parte essencial na minha música, uma conexão que se deu quase de forma natural, por causa da proximidade dos nossos países, mas também porque desde cedo aprendi a admirar João Gilberto, Caetano Veloso, a bossa nova e o funk carioca. Eu não fiz nenhum curso para aprender português, aprendi cantando", afirma.

Outra das reflexões que fez durante a pandemia, inspirado pelas leituras do israelense Yuval Harari, de "Sapiens" e "Homo Deus", é "o quanto nos dias de hoje o livre-arbítrio está se transformando em algo fluido. E nisso tem impacto forte o tema dos algoritmos". Este é, inclusive, o nome da canção que compartilha com a cantora israelense Noga Erez, "Algoritmo".

"Assim como em tantos aspectos de nossa vida, o algoritmo vem influenciando nossa maneira de consumir e de compor música. Já fico na dúvida se algo de fato me agrada ou se me agrada porque o algoritmo encontrou numa canção algo que está relacionado a uma preocupação minha", afirma. "Quando vejo que isso está estendido ainda ao que comemos, às pessoas com quem saímos e nos relacionamos, e talvez às escolhas políticas que fazemos, é algo assustador."

Ainda assim, Drexler não se considera alguém antitecnológico. "Seria negar o que somos. Até minha guitarra mais simples tem um nível tecnológico dos mais sofisticados. De todo modo, a música é uma reflexão sobre esse tema. Há dias em que acordo e em que penso, de fato, quem sou, o que quero de verdade e o que eu penso que quero, mas devo pensar duas vezes."

Inevitavelmente, a conversa se faz política. Pergunto a Drexler por que se envolveu, por exemplo, na campanha para a presidência do chileno Gabriel Boric, quando em geral sempre se manteve apartidário.

"É certo, eu sou um aberto defensor da democracia, e nunca vou deixar de ser. Isso ocorre justamente porque sou um filho da ditadura. Passei a infância e adolescência na ditadura, e percebo que a levo nos ossos, que ela me afetou muito. Por isso me ponho sempre entre os que defendem a democracia."

"O caso do Chile foi uma exceção porque fiz campanha de apoio a um candidato, não tanto pelo candidato em si, mas porque seu opositor significaria o retorno àqueles tempos de autoritarismo que vivi e não quero que voltem", acrescenta. "Creio que o candidato da extrema direita traria enorme risco ao país e à região."

"Mas, em geral, não costumo entrar em política partidária. As pessoas conhecem os meus valores e é nesse nível que prefiro atuar", continua.

Ele dá como exemplo o atual governo de centro-direita de seu país, o Uruguai. "Não é uma opção ideológica que eu tomaria, mas entendo também que se somos defensores da democracia, devemos respeitar e aceitar a alternância. Eu creio que, embora não votasse pelo atual presidente [Luis Lacalle Pou], está sendo bom para o Uruguai viver dentro desse ambiente de respeito à institucionalidade nas transições."

No caso do Brasil, Drexler afirma que tem a expectativa de que "esse período terrível que o país está vivendo se acabe em outubro". E propõe: "Creio que já seria uma boa medida que deixássemos de dizer o nome do atual presidente brasileiro e esperar que esse tempo passe".

Quanto ao resto da região, se diz esperançoso com o Chile e a Colômbia, que recentemente elegeram presidentes de esquerda, e se posiciona contra regime venezuelano, "além de me frustrar muito com Cuba e no resultado, hoje trágico, daquele sonho".

Ele se apresenta no Brasil no mês de setembro. A turnê começa no Teatro Guaíra, em Curitiba, no dia 17, prossegue no Rio de Janeiro, onde faz show no dia 22 no Qualistage, depois passa por São Paulo no dia 24, com apresentação no Vibra, e encerra com duas datas no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, nos dias 25 e 27.

Tinta y Tiempo

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