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Televisão

Pipoca da Ivete é cringe, mas leva energia para o domingo morto-vivo

Apesar da simpatia da cantora, faltou originalidade ao programa centrado em jogos, com cenário brega e quadros estapafúrdios

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Foi com energia de sobra que Ivete Sangalo fez sua estreia como apresentadora de um programa próprio, neste domingo. Depois de testar seu talento para o gênero de auditório em The Masked Singer e, nos anos 1990, em Planeta Xuxa, durante a licença-maternidade da rainha dos baixinhos, ela agora assume o "Pipoca da Ivete".

Nova aposta da Globo para as tardes dominicais, o programa de menos de duas horas vai anteceder os jogos de futebol e o Domingão com Huck, outro título que veio com intenção de chacoalhar o monótono e regular domingo na televisão aberta. O debutante, no entanto, é quase inteiramente centrado em jogos, disputados entre anônimos e famosos.

Ivete Sangalo diante do cenário do programa Pipoca da Ivete - Fabio Rocha/Divulgação

Ivete começou entoando a música-tema do programa. "Pipoca do jeito que a gente quer, do jeito que a gente gosta", cantava animada no palco, enquanto pompons metalizados chacoalhavam na plateia. Ela, então, convocou o primeiro convidado da nova atração, Tadeu Schmidt, também apresentador, só que do Big Brother Brasil.

Sua presença logo de cara, não demoramos a pensar, soou como uma espécie de preparação de terreno, um selo de qualidade que um jornalista e apresentador mais carimbado estampa na novata. E, por vezes, era difícil entender quem estava no comando do primeiro bloco. Não que Ivete não tenha força para tomar as rédeas, mas a escolha por Schmidt e o modo como o programa foi concebido abriu essa brecha, com a cantora parecendo tão convidada quanto era apresentadora.

A lógica foi reforçada mais tarde, quando Regina Casé também fez as vezes de convidada –vale lembrar que ela já comandou programas populares na Globo, Central da Periferia e Esquenta!, este antigo ocupante das tardes de domingo.

O primeiro dos quadros, "Duelo de Famílias", foi interessante de ver pela escolha do elenco anônimo. De um lado, uma família comandada por um casal gay, de outro, uma povoada por mulheres negras. Trouxe ares de diversidade para um domingo televisivo historicamente conservador, comandado quase sempre por homens brancos e heterossexuais.

Nele, os dois núcleos disputaram uma série de provas, quase todas jogos de palavras, que soaram um tanto repetitivas. Na sequência, o "Ivetokê" levou talentos vocais encontrados pelas ruas do país para uma disputa musical. E, por fim, o "Jogo do Sofá", que recebeu Casé, Jonathan Azevedo, Paolla Oliveira e Diogo Nogueira, também não poupou constrangimento em suas brincadeiras nonsense.

É a velha pieguice comum a atrações do tipo, mas, de novo, se a ideia é chacoalhar a programação e testar a capacidade de criação de Boninho nos tempos modernos, não é um estapafúrdio quadro em que famosos precisam deslizar uma bolacha da testa até a boca que vai fazer isso.

Pipoca da Ivete é a Globo em sua zona de conforto, área perigosa em meio à emergência do streaming, vide as derrotas recentes com outras atrações do tipo, como o risível Casa Kalimann ou o Zig Zag Arena.

O clima foi reforçado pelo visual e a paleta de cores do programa. É incompreensível a distribuição de pompons vermelhos e verdes para a plateia, que, ao balançar os acessórios, mais faziam tudo parecer uma enorme e deprimida árvore de Natal. O cenário e as intervenções gráficas, uma mistura de anos 1990 com 2000, não tinham conceito, dando um ar barato, de improvisação, a um investimento tão importante quanto este. Lembrava o Programa Silvio Santos, que tem a mesma cara desde sempre.

Ivete é, no entanto, como o próprio Tadeu Schmidt frisou, "uma unanimidade". Uma artista capaz de dialogar com quase todo tipo de público, graças a uma carreira sólida na música, aparições constantes em outros meios e uma imagem cuidadosamente podada.

Ela é dona de algo que podemos chamar de uma "espontaneidade calculada". Ivete é solta, divertida, impulsiva –se permitiu até falar palavrão e fazer brincadeirinhas de cunho sexual em plena tarde de domingo–, mas ao mesmo tempo navega com muito cuidado pelos terrenos que cruza, vide sua relutância em se envolver com política. Não que isso seja uma barreira, muito pelo contrário quando o assunto é atingir o público mais amplo possível.

Na estreia do Pipoca, sua energia transbordou sem esforço, mesmo diante de tantos quadros que poderiam ser rotulados como "cringe" –ou seja, que dão vergonha alheia, um problema diante do êxodo de públicos mais jovens da televisão tradicional. A atração tem aquela cara inegável de tarde de domingo na casa da avó –soa nostálgica para alguns, divertida para outros, mas o fato é que não é novidade.

Pode ser que Pipoca da Ivete seja justamente o que falta para a Globo emplacar um novo sucesso de auditório –uma fórmula reciclada e familiar, com um rosto cheio de carisma e simpatia à frente. Mas pode ser também um caminho perigoso. Agora, resta saber como a audiência do programa vai se comportar nas próximas semanas.

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