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Livros

Xico Sá retrata os dramas de um goleiro em prosa elegante e envolvente

Escritor lança 'A Falta', romance sobre um jogador prestes a se aposentar, que evita as surradas metáforas sobre o futebol

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A Falta

  • Preço R$ 48
  • Autor Xico Sá
  • Editora Tusquets (160 págs.)

Faça um teste. Vá à Bienal do Livro de São Paulo e procure, entre os mais de 180 expositores do evento, dez romances de autores brasileiros que tenham o futebol como tema principal —ou um dos principais. Por corredores sem fim, se dedique a buscar obras de ficção sobre o esporte mais popular do país.

Talvez você encontre, mas não será fácil. Depois do lançamento em 2013 do excelente "O Drible", de Sérgio Rodrigues, colunista deste jornal, vieram bons livros, como "Os Beneditinos", de 2018, de José Trajano, "A Cobrança", daquele mesmo ano, de Mario Rodrigues, e "O Drible da Vaca", do ano passado, de outro Mario, o Prata. São poucos, ainda que existam mais um ou outro além dos lembrados.

O futebol, lugar de tantas paixões e controvérsias, mereceria mais atenção do mercado editorial. É bem-vindo, portanto, o novo "A Falta", do escritor e jornalista Xico Sá, autor de "Big Jato". Não só por avançar num terreno ainda pouco explorado, mas por fazer isso de modo engenhoso e envolvente.

O primeiro acerto do autor é a escolha de um goleiro como personagem principal. O guarda-meta, afinal, tem um mundo só dele –regras específicas dentro de campo, preparação à parte com um treinador de goleiros, uniforme de cor diferente daquele usado pelos demais atletas.

Entre os 11 do time, não há quem viva tão à beira dos extremos. É o goleiro quem tem mais chances de, no mesmo jogo, alternar os papéis de herói e vilão. Uma defesa difícil muda tudo, um frango também.

O atleta da posição vive no limite, mais ainda no caso de Yuri Cantagalo, a criação de Xico Sá. Goleiro baiano que se destaca ainda jovem nos clubes do Rio de Janeiro, ele vai para Europa e se consagra em times de Portugal e da Espanha. Na volta ao Brasil, em fim de carreira, passa a defender o Náutico.

"A Falta" acompanha os 90 minutos de uma partida do time pernambucano contra o Trem Desportivo Clube, de Macapá. Yuri observa os lances enquanto é dominado por fluxos de pensamento, alguns aflitivos, outros divertidos.

Ele se perde em divagações sobre a mulher que o abandonou no dia anterior ao jogo; imagina como seria o pai, que nunca conheceu; devaneia sobre a "segunda vida", o período depois da aposentadoria como atleta. "Espalmo o chute para escanteio ao mesmo tempo que tento domar as reflexões ensaboadas e indefensáveis."

A opção de dedicar um capítulo curto a cada minuto do jogo poderia ser uma armadilha, com o risco de tornar a história esquemática e monótona. Mas Xico Sá escolhe alguns caminhos para escapar do problema. Em diversos momentos, no decorrer de um mesmo capítulo, ele vai dos embates existenciais aos chutes e cabeceios, sem solavancos, como se as reflexões e os gestos em campo integrassem o mesmo universo de incertezas.

Além disso, o autor nos apresenta a figuras secundárias curiosas, como Tirésias, o comentarista de rádio de sinceridade incomum ("estamos condenados a este zero a zero insípido, inodoro e incolor"). E ainda o gandula-xamã, que dá conselhos a Yuri ("destrua os espelhos, leve seu ego para um terreiro do Daime").

Por fim, mas não menos importante, o autor evita as surradas metáforas do futebol. É uma literatura com a elegância de Barbosa e de Taffarel, dois dos goleiros cultuados por Yuri.

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