Conheça a história por trás de obra roubada de Tarsila do Amaral, 'Sol Poente'

Pintura já recuperada pertencia a uma das coleções privadas mais renomadas do país e pode valer mais do que os R$ 75 mi de 'A Lua'

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São Paulo

​Um dos quadros roubados —e já recuperados, segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro— num dos mais impressionantes escândalos da arte nacional recentes é também um dos mais conhecidos de Tarsila do Amaral. É "Sol Poente", pertencente ao período mais importante da produção da artista, que vai de 1923 e 1933.

Agentes encontram obra "Sol poente" (1929), de Tarsila do Amaral (1886-1973), embaixo de cama de suspeitos de terem roubado idosa no Rio de Janeiro
Agentes encontram a obra 'Sol Poente', de 1929, de Tarsila do Amaral (1886-1973), embaixo de cama de suspeitos de terem roubado idosa no Rio de Janeiro - Divulgação/Polícia Civil do RJ

A pintura foi resgatada de debaixo de uma cama em uma operação deflagrada por agentes da DEAPTI (Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade) na manhã desta quarta (10), no Rio de Janeiro.

Na ocasião, a Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu uma mulher suspeita de roubar mais de R$ 720 milhões em obras de arte da própria mãe, uma idosa de 82 anos que teria sido mantida em cárcere privado por cerca de um ano. A filha teria se associado a uma série de pessoas, entre elas uma suposta vidente, para fingir uma doença e convencer a mãe a pagar por um falso tratamento.

As obras pertencem a uma das coleções privadas mais renomadas do país, fundada por Jean Boghici, morto em 2015 —a idosa vítima do golpe é sua viúva, Geneviève Boghici, e a suspeita presa, sua filha, Sabine Boghici. Há exatos dez anos, parte do acervo foi destruído em um incêndio que atingiu a cobertura duplex da família em Copacabana.

Desde a morte do patriarca, no entanto, as peças praticamente desapareceram de exposições, e os pedidos de empréstimo realizados pelos museus eram travados pelos herdeiros, afirma um profissional da área que não quis se identificar.

Um vídeo do momento em que os investigadores encontram as obras revela que havia pelo menos uma dezena de quadros na casa de um dos suspeitos. "Eita, olha quem está aqui. Ô belezinha", diz uma agente ao se deparar com "Sol Poente" debaixo do estrado.

O quadro retrata um sol que se espalha, em arcos laranjas e amarelos vibrantes, por todo o céu de uma paisagem povoada por formas que remetem a cactos e capivaras. Assim como "O Sono", obra de Tarsila que também foi subtraída da coleção de Jean Boghici por sua filha, ele data do momento "mais exuberante e ousado da Tarsila", diz Fernando Oliva, doutor em artes pela USP e curador do Masp.

Um dos organizadores de "Tarsila Popular", mostra mais visitada do museu até hoje, Oliva afirma que as duas obras têm em comum uma busca por uma "paisagem metafísica" e trazem elementos enigmáticos típicos da artista. Mas enquanto o primeiro remete a uma investigação ancestral, encontrando temas semelhantes em "O Lago" ou "A Lua", ambos também de 1928, "Sol Poente", do ano seguinte, "marca o cume da fase solar da artista".

"Logo depois, ela tem vários reveses na vida pessoal e profissional que se traduzem em sua obra em uma paleta reduzida, rebaixada", diz Oliva, citando a perda da fortuna da família da artista e a morte de uma das netas por afogamento. "Sol Poente" representaria, assim, "uma grande explosão antes do fim", nas palavras do curador.

Quadros de Tarsila datados dessa época também costumam estar entre os mais bem cotados na área. Segundo agentes de mercado, uma dita "brasilidade" e a fama de "Sol Poente", que foi exibido em diversas mostras e chegou até a estampar um quebra-cabeça da marca Estrela, poderiam inclusive tornar seu valor no mercado superior ao de "A Lua", que teria custado ao MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, cerca de R$ 75 milhões ou US$ 20 milhões —a cifra, que circulava entre fontes na época da compra, nunca foi confirmada.

Mesmo assim, as avaliações de R$ 250 milhões para "Sol Poente" e R$ 300 milhões para "O Sono" que constam na lista da Polícia Civil são consideradas exagerada por fontes do setor. Gustavo Perino, especialista em perícia de obras de arte e fundador da Givoa Art Consulting, diz que R$ 200 milhões, por exemplo, seria o valor da atual apólice de seguro de "Abaporu", talvez a obra mais importante da artista brasileira e uma das joias do Malba, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires.

É claro que o valor de uma apólice não reflete necessariamente o valor de uma obra no mercado, ele ressalta —ele pode por exemplo ser ainda um valor declarado, ou acordado entre as partes. Além disso, o valor estimado sempre é calculado a partir de preços registrados em leilões, em geral mais baixos do que aqueles praticados em transações particulares.

Mesmo assim, o valor de uma avaliação deriva de uma série de etapas técnicas que seguem uma normativa internacional e que inclui, entre outros, sua condição no contexto de mercado, e o quanto ela representa ou não a produção do artista, o histórico de vendas anteriores da obra.

Além de "Sol Poente", também estão na lista das obras roubadas pela filha e revendidas a galerias outros 15 quadros.

Dois deles foram comprados no ano passado por Eduardo Costantini, fundador do Malba, para a sua coleção privada. São elas "Elevador Social", de Rubens Gerchman, de 1966, e "Maquete para o Meu Espelho", de Antonio Dias, de 1964.

Em nota, o colecionador afirma que a compra foi devidamente registrada, intermediada pelo galerista paulistano Ricardo Camargo. Ele ainda acrescenta que comprou no mesmo ano outras duas obras, "Tocadora de Banjo", de Victor Brecheret, e "Urso", de Vicente do Rego Monteiro, estas da própria Geneviève Boghici. Os valores de nenhuma das obras foi revelado.

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