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De 'Sex and the City' a 'Emily em Paris', como a TV e o cinema marcam as cidades

Pensando nisso, plataforma de streaming criou roteiros passeando por locações de suas principais séries na Europa

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James Cimino
Londres

Um dos fenômenos mais interessantes que a cultura pop proporciona é a alteração de nossa percepção sobre a realidade. Filmes, séries e novelas têm a capacidade de incorporar locações reais a suas narrativas a ponto de transformá-las em personagens.

Tome-se como exemplo o edifício Cetenco Plaza, na avenida Paulista, entre as ruas Frei Caneca e Ministro Rocha Azevedo. Ele ficou conhecido como o prédio da Sucata, a fictícia lambateria da novela da Rede Globo "Rainha da Sucata", de 1990. Foi de lá que Laurinha Figueiroa, vivida por Glória Menezes, se jogou e virou manchete de jornal.

O mesmo fato se repete na fachada do Museu de Arte da Philadelphia, nos Estados Unidos, hoje conhecido apenas como "as escadarias do `Rocky Balboa" devido à icônica cena em que o fictício pugilista interpretado por Sylvester Stallone treina seguido por uma multidão no filme vencedor do Oscar de 1977. A estátua de Rocky, feita de bronze e antes posicionada no topo das escadarias, foi transplantada para a lateral esquerda do edifício, ao nível da rua, de tanto que roubava a cena. Os turistas, no entanto, continuam a imitar a triunfal subida do personagem ao som da música-tema do filme.

Fachada do Philadelphia Museum of Art, fundado em 1870 - Claudia Trevisan - 06.mai.1996/Folhapress

Poucos entram no museu, assim como pouquíssimos tiveram a oportunidade de ver Sylvester Stallone por ali. O raro caso aconteceu no dia 16 de dezembro de 2019, quando as escadarias estavam fechadas para a gravação de um comercial, segundo informaram seguranças do local. O que ninguém sabia era que a estrela da peça publicitária era o próprio Rocky Balboa, que após a gravação foi até sua estátua e tirou fotos com os fãs.

Também naquele mesmo ano de 2019, mais especificamente em 15 de fevereiro, outro ponto turístico virou set de filmagem. O Lincoln Memorial, em Washington D.C., virou palco da série "O Conto da Aia" em plena luz do dia. Um grupo de brasileiros que chegou ao local testemunhou a filmagem, embora poucos soubessem identificar a produção, que ainda não havia estourado no Brasil.

Há casos ainda mais curiosos, como o efeito da novela "Vale Tudo", de 1989, em Cuba. A protagonista Raquel Acioly —paradoxalmente, vivida por Regina Duarte, anticomunista— era dona de uma rede de restaurantes chamada "Paladar". O estrondoso sucesso da novela na terra de Fidel Castro fez com que os restaurantes particulares fossem todos nomeados de "Paladares".

Mas quando se trata de cidades como Londres, Nova York, Los Angeles, Paris, que já foram usadas como cenário em tantas produções, há uma mistura de personagens. Nova York, terra de "O Lobo de Wall Street" e das "Gangues de Nova York", durante o início dos anos 2000 virou a cidade de Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda, as musas da série da HBO "Sex and the City".

Sabe-se hoje que pouco daquele pretenso glamour recheado de grifes realmente existe. A Nova York da vida real é suja, abarrotada de lixo em áreas movimentadas como a Broadway e a Times Square, e tem até alagamentos que inundam estações de metrô nas temporadas de chuvas. Um cenário quase que impensável para se andar com as icônicas sandálias Manolo Blahnik que Carrie, papel de Sarah Jessica Parker, tanto venerava.

As inconsistências da Paris de "Emily em Paris", sucesso na Netflix, em relação à verdadeira Paris —também abarrotada de sujeira, lixo e moradores de rua— chegaram a virar polêmica entre os aguerridos franceses, que embora afirmem detestar o programa, demonstram um conhecimento profundo das discrepâncias que ele apresenta em suas críticas.

Polêmicas à parte, no entanto, uma pesquisa encomendada pela Netflix demonstrou que pessoas que assistem a produções que se passam em determinadas cidades são 2,4 vezes mais propensas a dizer que aquele país é seu destino número um de viagem. Também 24% dos entrevistados afirmaram que, por causa desses programas, têm maior interesse em visitar pontos turísticos que figuram nas histórias, aprender mais sobre a história local (25%) e, também, sobre o idioma (24%). Isso tudo se deve, segundo à plataforma, ao aumento dos índices de audiência dos programas em língua não inglesa.

Por isso, no último mês de julho, a empresa, em parceria com uma companhia de turismo europeia, promoveu tours gratuitos em Londres, Paris e Madri, mostrando as locações onde suas séries são filmadas.

A Folha acompanhou o tour de Londres, que passa por locações de pelo menos quatro produções do streaming: "The Crown", "Sex Education", "Enola Holmes" e "Bridgerton". E a primeira coisa que se descobriu foi que algumas dessas locações pouco têm a ver com o local real que elas representam na tela.

O principal exemplo disso é obviamente o Palácio de Buckingham, residência oficial da monarquia inglesa, que aparece constantemente na série "The Crown". Segundo o guia, há diversas locações que são usadas como representações do palácio. Uma delas fica não muito distante de Buckingham, em frente ao parque Saint James, e se chama Lancaster House.

A Lancaster House serve de locação para o palácio real britânico porque ambos foram construídos na mesma época e têm o mesmo estilo arquitetônico. Mesmo assim, ela só está disponível durante os fins de semana. Outra série famosa da Netflix é gravada ali —"Bridgerton", especificamente a cena em que a rainha Charlotte, vivida por Golda Rosheuvel, recebe o visconde de Bridgerton, Jonathan Bailey, para um chá.

Uma polêmica em menor escala envolve a série "The Crown", mais especificamente a cena em que a princesa Diana, papel de Emma Corrin, resolve surpreender o príncipe Charles, Josh O’Connor, com uma performance de "Uptown Girl".

O fato realmente aconteceu quando os dois ocupavam o box real da Royal Opera House, a casa de ópera e balé mais tradicional do Reino Unido, inaugurada pela rainha Vitória em 1858. Tudo ocorreu em 1985, durante um evento privado para amigos do Royal Ballet, em que Diana dividiu o palco com o bailarino Wayne Sleep. A cena, no entanto, não foi gravada na Royal Opera House. O rumor é que a Netflix não quis pagar o preço exigido pelo teatro, e decidiu filmá-la em outro local.

E a cena em que Camila Parker-Bowles, interpretada por Emerald Fennel, convida Diana para almoçar no restaurante "Ménage à Trois" na verdade foi gravada na Australia House, a última parada do tour. O restaurante com seu sugestivo nome, no entanto, existiu, assim como o famigerado almoço.

O tour não se resumiu apenas a produções da Netflix, contudo. Um dos pontos turísticos obrigatórios de Londres é a Leicester Square, que seria uma mistura de Times Square em Nova York com Hollywood Boulevard em Los Angeles. Ali é onde acontecem as premières dos filmes lançados em Londres e onde estão estátuas de personagens famosos do universo ficcional britânico, como Harry Potter, Mr. Bean e Mary Poppins, embora no topo do cine Odeon esteja um deslocado Batman.

Outro exemplo disso aparece ao final do passeio. É a estação do metrô Strand, que era parte da Piccadilly line, a linha que liga o centro de Londres ao aeroporto de Heathrow. Fechada em 1994, a estação que fica ao lado do campus do King’s College London, uma das maiores universidades do Reino Unido, serve de locação para todas as outras estações da malha. Ali foi filmado, entre outros, o filme "V de Vingança".

A Netflix não pensa em investir em turismo. Os tours gratuitos, oferecidos por apenas uma semana em inglês e espanhol, foram apenas uma ação para dar vida a esse sentimento que o público que assiste a seus programas têm ao viajar. Mesmo assim, qualquer pessoa munida de um telefone celular com internet pode desbravar por si só os roteiros de Londres, Paris e Madri. Veja abaixo os itinerários dos passeios.


Paris

  • Inicie o passeio nos Jardins de Luxemburgo, cenário da cena em que vários motoristas vão parar no mesmo lugar graças a uma artimanha de Assane Diop em "Lupin". Ela demorou dois dias para ser filmada, e exigiu a presença de mais de 50 pessoas, entre figurantes e dublês
  • Siga para o Quartier Latin e pare na Place de l'Estrapade, onde fica o apartamento de Emily Cooper em "Emily em Paris"
  • Continue para o Panthéon, no quinto arrondissement, monumento usado como cenário de vários filmes e séries —incluindo, é claro, "Emily em Paris"
  • Dê uma passada no cinema Le Champo, frequentado por figuras notáveis da história do cinema francês. É lá que Emily e Luc assistem a "Jules et Jim - Uma Mulher para Dois", clássico de François Truffaut
  • Vá para a Place Saint-Michel, fundamental para a indústria da moda
  • Cruze a Pont Saint-Michel para a Île de la Cité, do outro lado do rio Sena, e admire a catedral de Notre-Dame, cujo incêndio recente é tema do documentário "Notre-Dame - Catedral em Chamas"
  • Caminhe pela margem do Sena para ver duas das pontes mais fotografadas de Paris, Pont Neuf e Pont des Arts
  • Termine o tour na Place de Valois, local da fictícia agência Savoir, onde trabalha Emily

Madri

  • Comece o tour na Plaza de España
  • De lá, siga para o terraço do Riu Hotel, que serviu de cenário para cenas icônicas das séries "Valéria" e "Elite" e o filme "Fomos Canções"
  • Vá então para a Gran Vía e siga para a Plaza del Callao, onde os ladrões de "A Casa de Papel" fizeram chover dinheiro
  • Voltando à Gran Vía, encontre o antigo prédio da companhia telefônica, onde se passa "As Telefonistas"
  • Siga para a Plaza de Chueca, retratada em vários filmes de Pedro Almodóvar
  • Termine o tour na Plaza de la Memoria Trans, no coração de Chueca, e coma no café favorito de Valéria
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