Descrição de chapéu
Cinema

'Koyaanisqatsi', 40 anos depois, continua um sonífero sem igual

Filme que causou burburinho por retratar a questão ambiental nos anos 1980 segue fútil, enquanto nós pioramos de lá para cá

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Koyaanisqatsi

  • Quando 11ª Mostra Ecofalante: sáb. (13), às 19h30, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo; dom. (21), no Cine Santa Tereza, em Belo Horizonte; 3/9 na Cinemateca do Capitólio, em Porto Alegre
  • Onde Disponível para aluguel na Apple TV
  • Produção EUA, 1982
  • Direção Godfrey Reggio

Há uns 40 anos, quando "Koyaanisqatsi" chegou por aqui pouca gente sabia o que significava essa palavra estranha e poucos davam bola à questão ambiental. Mesmo assim o filme foi recebido com aplausos, comentado na Mostra de Cinema e tudo mais.

Quarenta anos depois o filme de Godfrey Reggio está de volta, a questão ambiental se tornou cem vezes mais urgente do que na época, é fácil saber que o título significa "vida em desequilíbrio" na língua de uma tribo indígena. Algumas coisas mudaram, mas o filme continua esnobe e esteticista como sempre foi.

Cartaz do filme 'Koyaanisqatsi', de Godfrey Reggio
Cartaz do filme 'Koyaanisqatsi', de Godfrey Reggio - Divulgação

É como se a questão ambiental fosse antes de mais nada um pretexto para a composição de imagens que testemunham a deterioração de vida na Terra e ratificam a previsão do povo hopi —posta no final do filme— contida no significado da palavra: trata-se de vida em desequilíbrio, em estado de destruição ou, mais extensamente, um modo de ser da vida que exige um outro modo de vida.

Tudo bem. Estamos hoje no centro do problema, mas "Koyaanisqatsi" continua o mesmo. Começa com imagens da natureza em estado, digamos, puro: solo desértico, esculturas naturais, vegetação esparsa, nuvens em movimento, a areia do deserto tocada pelo vento, água, ondas, grandíssimas ondas, fogo, lava. Reggio aprecia a câmera ora lenta, ora seu inverso, rápida: os efeitos são —que dizer?— bonitos, é indiscutível.

Logo vem a primeira virada: a presença humana, o que introduz certa dramaticidade à narrativa. Tratores imensos, tubos intermináveis, torres de eletricidade, construções, concreto, edifícios, filas de edifícios. Uma concentração de humanos (não aglomerados, entenda-se) surge na tela. Parecem atônitos. Com o quê? Alguns olham para o alto. Surge então, tomado de baixo, um edifício enorme, muito vidro espelhado.

Indústria em funcionamento. Fumaça. Muita fumaça. Um avião pousa. A câmera é lentíssima. Só para entrar em foco leva um tempo enorme. A cena termina quando ele se acomoda, seu bico enorme ocupando quase toda a tela.

A obra humana, ou antes, da civilização branca, manifesta-se agora com intensidade: o lixo, pilhas de lixo numa rua pobre, quase deserta, onde dois humanos, três no máximo, permanecem sentados. E depois exércitos, bombardeios, bombas em geral, frotas de guerra em movimento, ruas, movimento nas ruas, congestionamentos, prédios são implodidos, pontes são destruídas, e explosões, e prédios, uma fábrica de salsichas, e depois foguetes sendo lançados, sua cauda de fogo enorme, por fim seus módulos caindo lentamente.

Nunca, nem antes nem depois de "Koyaanisqatsi", o desequilíbrio da vida foi tão equilibrado, tão calibrado para produzir efeitos estéticos capazes de impressionar as plateias. Seria isso efetivo? É difícil acreditar, mesmo nos dias de hoje. A questão ambiental pode passar por conscientização e é inegável que ela pode acontecer através de filmes.

Dois exemplos. "A Enseada", de 2009, um filme sobre como os golfinhos que encantam as crianças em parques são implacavelmente caçados e depois amestrados; como a carne dos outros do bando, atraídos por sons a uma armadilha, é aproveitada pelos consumidores humanos, enquanto a espécie entra em declínio. A violência pode nos ensinar algo.

Mas a comédia também. Tomemos o caso de "Recife Frio", uma ficção sobre como a quente Recife de uma hora para outra se transforma em um lugar gélido. Ou sobre o desaparecimento de animais cuja caça constituía o alimento de tribos indígenas.

Nenhum desses filmes entra no mérito dos problemas e/ou interesses econômicos envolvidos, da resistência a perceber as transformações do meio ambiente. Mas, à parte meia dúzia de toupeiras científicas e meia dúzia de militares tapados, o mundo inteiro já se deu conta de que não há negacionismo capaz de negar os recordes de temperatura que se sucedem ano a ano na Europa ou a destruição das geleiras do Ártico e fenômenos semelhantes. No mais, o ex-quase presidente dos Estados Unidos, Al Gore, escreveu pessoalmente o documentário "Uma Verdade Inconveniente", de 2007, sobre tais fenômenos.

As resistências à proteção ao meio ambiente existem. Ainda são fortes, embora declinantes. Tão declinantes quanto a capacidade do meio de resistir a tais agressões. O inventário de imagens de Godfrey Reggio era em 1982, e hoje é mais ainda um empreendimento fútil, cujo resultado (senão for o objetivo) consiste em transformar a destruição em espetáculo de beleza. Ah, sim, claro, como sonífero tem efeito poderoso e nenhum efeito nocivo que se conheça.

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