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Luís Francisco Carvalho Filho traduz insatisfação com a Justiça na ficção 'Newton'

Advogado e colunista da Folha lança história de escritor sem sobrenome nem RG que parece Kafka em SP

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São Paulo

Na conversa com o analista, Newton está indignado com tudo o que o cerca. "É diabólico, não basta existir, tenho que provar que existo, e agora que sou são. Querem porque querem saber quem eu sou e de onde venho. Não basta existir."

Newton existe como o personagem principal do novo livro de ficção do colunista da Folha e advogado Luís Francisco Carvalho Filho. É Newton, aliás, quem dá título à obra.

Não existe, porém, do ponto de vista formal ou burocrático. É um escritor bem-sucedido (sem relação com o célebre cientista inglês), que não tem sobrenome, não tem RG e CPF, não há registro da sua idade, da sua filiação, nem sequer da cidade de nascimento. Newton busca, em suma, o apagamento da sua memória.

O advogado e colunista Luís Francisco Carvalho Filho, que lança o livro 'Newton' - Rubens Cavallari/Folhapress

Cada um dos 17 capítulos, todos curtos, consiste num diálogo de Newton com um interlocutor diferente, do tabelião ao promotor, da juíza ao escrivão. À medida que as conversas avançam, a situação do escritor se torna mais absurda e insustentável, como um personagem de Kafka enfrentando tribunais e delegacias da São Paulo do século 21.

Advogado criminal há mais de 40 anos, Carvalho Filho leva seu inconformismo com o funcionamento do Judiciário aos caminhos labirínticos de "Newton", seu segundo livro de ficção, como havia feito em "Nada Mais Foi Dito nem Perguntado", sua obra de estreia nessa seara, lançada em 2001.

"Convivi com pessoas que praticaram crimes ao longo da vida e que tinham sofrimentos, dores que nunca vieram a ser percebidas. Nunca ninguém deu atenção a isso, há um mundo da insensibilidade", afirma.

Não foi apenas a insatisfação com a Justiça que impulsionou Carvalho Filho para a criação de "Newton". Estava disposto a se desafiar no que considera um "exercício literário" —ele prefere usar essa expressão a tratar a obra como um romance.

"Depois de ‘Nada Mais’, meu projeto era escrever um livro de contos em que cada um fosse a continuação do outro e ao fim, num certo sentido, formasse uma história. Não fiz isso em ‘Newton’, mas consegui eliminar completamente o narrador e contar uma história apenas por meio de diálogos. A única figura da narração é o título", diz o autor.

Outras marcas do novo livro são a objetividade, a concisão e a coloquialidade, que resultam da trajetória de Carvalho Filho muito ligada ao jornalismo. Ele começou a colaborar com a Folha em meados dos anos 1980 e permaneceu ligado ao jornal desde então, em funções diversas e sempre produzindo textos com espaço delimitado. Atualmente é colunista de Cotidiano.

A influência do jornalismo é evidente, mas o texto literário se impõe no sentido, segundo ele, "de provocar, de criar suspense e dúvida". É como se jogos de esconde-esconde estivessem entranhados nos diálogos —o autor distribui mistérios com a mesma desenvoltura com que oferece informações sobre Newton, um personagem ambíguo do primeiro ao último capítulo.

A ligação de Carvalho Filho com os livros vai além da escrita e da leitura —é grande admirador de Dostoiévski. Dirigiu a Biblioteca Municipal Mário de Andrade de 2005 a 2008 e, no ano passado, ao lado de Fernanda Diamant e Rita Mattar, fundou a Fósforo, editora pela qual o livro é lançado.

Ao assumir uma nova atividade, a de sócio de uma editora, o objetivo não era lançar suas próprias criações, ele enfatiza. A primeira versão de "Newton" foi concluída há cerca de uma década e passou por alterações nos anos seguintes. "O livro de ficção tem que sobreviver ao tempo. Nunca tive pressa para publicar", afirma. Foi Rita Matttar quem leu, gostou e sugeriu que fosse lançado.

"Não tenho nada a esconder", diz o insólito personagem a um professor. Newton, enfim, está à solta.

Newton

  • Preço R$ 55
  • Autor Luís Francisco Carvalho Filho
  • Editora Fósforo (136 págs.)
  • Sessão de autógrafos com o autor dia 10 de setembro (sábado), às 11h, na livraria Megafauna (av. Ipiranga, 200, loja 53, Centro, São Paulo)
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