Descrição de chapéu Obituário Issey Miyake (1938 - 2022)

Morre Issey Miyake, estilista japonês que uniu Oriente ao Ocidente, aos 84 anos

Expoente do mundo da moda, ele se notabilizou por novas técnicas de plissado, tendo sobrevivido às bombas de Hiroshima

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São Paulo

Morreu, aos 84 anos, o estilista japonês Issey Miyake, vítima de um câncer no fígado. A notícia foi divulgada nesta terça-feira (9), embora Miyake tenha morrido na sexta-feira (5) segundo informações da agência de notícias Kyodo. O corpo do estilista já foi sepultado, e o funeral reuniu apenas sua família e amigos.

Miyake despontou no mundo da moda ainda na década de 1980, com itens de alto luxo e seu famoso plissado, desenvolvido com uma técnica inédita, baseada na junção de tecidos entre camadas de papel e inserção deste numa prensa térmica. Naquela mesma década, o estilista ganhou um cliente fiel, o empresário Steve Jobs, para quem criou seu icônico suéter preto com gola alta.

A maioria das criações do estilista está hoje reunida em instituições como o Victoria and Albert Museum, em Londres, e o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa. Em 2010, Miyake foi homenageado com o prêmio da Ordem da Cultura, concedido pelo governo japonês. Seis anos depois, foi condecorado com a comenda Légion d’Honneur, a mais alta distinção dada pelo governo francês.

O estilista japonês Issey Miyake, em 2016 - AFP

Nascido em Hiroshima, Miyake tinha sete anos quando sua escola foi atingida pela bomba atômica. O episódio traumático se tornou um tabu em sua vida, sendo revelado apenas em 2009, quando ele escreveu um editorial para o jornal The New York Times sobre o desarmamento nuclear. O ataque aéreo levou o estilista a ter problemas de locomoção que o acompanharam na vida adulta.

"Eu nunca quis compartilhar minhas memórias ou pensamentos daquele dia", escreveu Miyake no jornal americano. "Tentei, mas sem sucesso, deixá-los para trás, preferindo pensar em coisas que poderiam ser criadas, não destruídas, e que trazem beleza e alegria."

O estilista estudou design na Tama Art Univeristy, em Tóquio, e se mudou para Paris em 1965, onde ingressou na École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne. Lá, ele trabalhou para nomes da alta-costura como Hubert de Givenchy e Guy Laroche. Depois, Miyake se mudou para Nova York, trabalhando como auxiliar de Geoffrey Beene.

Seu primeiro estúdio, o Miyake Design Studio, foi fundado em Tóquio na década de 1970. Desde então, Miyake se notabilizou por unir em seus desenhos o Ocidente ao Oriente, utilizando antigas técnicas de bordado e de tatuagem. Ele não se dizia um estilista, mas um designer de moda que busca estabelecer relações entre o corpo humano e a roupa que o envolve.

Algumas de suas invenções mais marcantes incluem a bolsa Bao Bao, estampada com triângulos coloridos futuristas, e a linha Pleats Please, lançada em 1993. As roupas da coleção, capas e calças feitas de poliéster termicamente tratado para criar pregas permanentes, nunca amassavam, podendo ser lavadas na máquina e enroladas em vez de dobradas.

Miyake afirmava que o objetivo de suas obras era estar em todos os lugares, desde fábricas —ele desenhou um uniforme para os trabalhadores da gigante japonesa de eletrônicos Sony— até pistas de dança.

Seu trabalho também foi visto como críticos à indústria da moda, em particular à sua velocidade de produção, o que deu a seus trabalhos uma reputação de longevidade. Em entrevista ao jornal Village Voice em 1983, Miyake resumiu sua oposição ao ciclo incessante de tendências: "Quero que meu cliente possa usar um suéter que desenhei há dez anos com as calças deste ano".

Em 1992, Miyake lançou sua linha de perfumes, começando pela fragância "L'eau d'Issey", que se tornou um fenômeno mundial. Para o estilista, toda criação deveria ser concebida a partir de uma "peça de tecido".

Por isso, em 1998, ele partiu para um trabalho de pesquisa ao lado do colaborador Dai Fujiwara. Com a coleção APOC, ele integrou de vez tecnologia ao seu processo criativo, com computadores que a partir de uma única peça de linha criam um tecido e até uma roupa inteira. O artista foi pioneiro em sua busca por conforto, deixando de lado a grandiosidade da alta-costura em favor do que ele chamava de simplesmente "fazer coisas".

Atento à causa sustentável, Miyake defendeu que a moda deveria respeitar o meio ambiente já em 2007 ao lançar seu Reality Lab, que usava materiais sustentáveis e duráveis. Ao longo de sua carreira, o estilista ainda colaborou com artistas como os japoneses Tadanori Yokoo e Ikko Tanaka, além do fotógrafo americano Irving Penn. Durante 13 anos, Penn foi responsável por fotografar as coleções "prêt-à-porter" do estilista.

Um dos primeiros designers japoneses a desfilar em Paris, ele levou a moda de seu país para o resto do mundo, abrindo as portas para nomes contemporâneos como Yohji Yamamoto e Rei Kawakubo.

Sua maison treinou muitos jovens estilistas talentosos e era conhecida por seus desfiles inovadores. Depois de dois anos mostrando as coleções online, por causa da Covid-19, a marca apresentou na Semana de Moda de Paris deste ano um desfile masculino com modelos, dançarinos e acrobatas.

Em 2016, em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Myake comentou os desafios enfrentados pelos futuros designers pensando numa provável redução do consumo de moda nos próximos anos.

"Podemos ter que passar por um processo de desbaste. Isso é importante", disse ele. "Em Paris, chamamos as pessoas que fazem roupas de costureiros —eles desenvolvem novos itens de roupas— mas, na verdade, o trabalho do design é fazer algo que funcione na vida real."

Reconhecido por adotar uma postura "antitendência" —ele preferia o termo "roupas" em vez de "fashion" para se referir a suas criações—, ele celebrou, ainda assim, o potencial expressivo da moda. "Estou mais interessado nas pessoas e na forma humana", disse Miyake ao New York Times em 2014. "A roupa é a coisa mais próxima de todos os humanos."

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