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Natalia Ginzburg revela seu e nosso presente em 'Não me Pergunte Jamais'

Escritora desiste de separar textos memorialísticos dos demais em coleção de contos e textos de jornal

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Luciana Araujo Marques

Não me Pergunte Jamais

  • Preço R$ 64,90 (250 págs.)
  • Autoria Natalia Ginzburg
  • Editora Âyiné
  • Tradução Julia Scamparini

Nem sempre a reunião em livro de textos publicados na imprensa apresenta lapidação equivalente à de outras obras de um mesmo autor. "Não me Pergunte Jamais", de Natalia Ginzburg, alcança essa façanha.

Ao lado de contos inéditos, os escritos da italiana originalmente destinados a dividir páginas com notícias, em meio aos imperativos da impessoalidade e do calor da hora, revelam um compromisso com a memória e a perspectiva de si mesma no transcorrer do tempo diante dos mais variados acontecimentos e manifestações artísticas.

idosa branca diante de parede em fotografia PB
A escritora italiana Natalia Ginzburg em retrato feito em Roma em 1989 - Francesco Gattoni/Divulgação

O volume traz uma seleção das colaborações da escritora para o jornal La Stampa, entre dezembro de 1968 e outubro de 1970, um conto que saiu no Il Giorno em 1965, além de mais quatro inéditos até sua organização em 1970. Quando o livro foi reeditado em 1989, dois anos antes de sua morte, Ginzburg acrescentou ainda um outro que saiu no Corriere della Sera em 1976.

Na "Advertência", a escritora afirma ter pensado em dividir os textos entre os memorialísticos e os demais, até concluir que "a memória muitas vezes se misturava aos escritos de não memória".

Assim, a procura por um imóvel traz à tona as casas onde ela e o marido cresceram, fundação de diferentes noções de habitar; a notícia da morte da viúva do filho de um escritor evoca fantasmas indestrutíveis; uma visita a Boston para conhecer o neto desenterra uma leitura feita aos nove anos.

A disposição dos textos no livro obedece a uma ordem cronológica em relação a sua redação, mas abarca diferentes épocas, como a infância e a juventude, sem jamais perder de vista a velhice como fase que custa a ser admitida em contraste com a velocidade dos acontecimentos.

"Mantivemos por muito tempo o hábito de acreditar que éramos ‘os jovens’ do nosso tempo, tanto que quando ouvimos falar de ‘jovens’ viramos o rosto como se falassem de nós, hábito tão enraizado que talvez não o percamos, a não ser quando teremos nos tornado inteiramente pedra, isto é, às vésperas da morte."

Interessante notar que, aos 72 anos, quando reedita o livro, ela acrescenta como espécie de sequência de "Bigodes Brancos", "Lua Palidasse", escrito aos 60. Entretanto, ambos textos remetem ao vivido em tenra idade –o primeiro, sobre uma ocasião em que menina anda de mãos dadas com um desconhecido, que se converterá em figura de assombro; no segundo, parte da recordação de um poema triste escrito aos 12 anos.

Chama atenção o contraste entre tudo aquilo que se sabe, como fruto da experiência, e a negação de uma posição de saber ao tratar de livros, música, teatro, artes plásticas, psicanálise ou mesmo ao se oferecer para uma vaga de emprego.

Quando o assunto é sua própria literatura, enaltece a importância dos interlocutores. "Sofremos a ausência da crítica da mesma forma que sofremos, na vida adulta, a ausência de um pai", conclui. Não à toa, nunca ocupa esse lugar fálico e de autoridade ao enaltecer justamente as falhas e lacunas que são também nossas.

Entre as obras-primas de Natalia Ginzburg, seu "As Pequenas Virtudes", com ensaios de 1944 a 1962, já havia dado prova da habilidade da escritora de não dissociar sua produção para jornais e revistas ao núcleo duro de seu projeto autoral.

Mas, enquanto naquela primeira coletânea acompanhamos pela primeira vez o uso do pronome "eu" e mudanças de estilo, "Não me Pergunte Jamais" carrega uma unidade que talvez se explique por ter "algo semelhante ao diário", segundo a escritora, que nunca conseguiu manter um, mas buscou pontuar o que ia lembrando, nunca apartada do presente, inclusive o nosso, que só agora a lemos.

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