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Artes Cênicas

'O Cavaleiro da Rosa' subverte os gêneros e vai da sutileza ao escracho

Comédia de Richard Strauss em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo desconstrói a ópera romântica e suas convenções

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O Cavaleiro da Rosa

  • Quando Dom. (7) e sáb. (13), às 17h; ter. (9) e qui. (11), às 19h
  • Onde Theatro Municipal - pça. Ramos de Azevedo, s/nº, República, região central, São Paulo
  • Preço De R$ 10 a R$ 150, à venda na bilheteria do Municipal ou em theatromunicipalsp.byinti.com
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Carla Filipcic, Hernán Iturralde, Luisa Francesconi e Lina Mendes
  • Direção Pablo Maritano

Richard Strauss já era dono de seu estilo ao escrever a partitura da ópera "O Cavaleiro da Rosa", em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo, que estreou em 1911 a partir de texto do poeta Hugo von Hofmannsthal.

Contemporâneo de Mahler, que, como ele, foi um compositor-regente de sucesso, Strauss fazia uma música autoconsciente, com amplo domínio do uso de fragmentos e que rondava as fronteiras da tonalidade.

Cena de 'O Cavaleiro das Rosas', em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo
Cena de 'O Cavaleiro da Rosa', em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Ao enveredar pelo humor —"O Cavaleiro da Rosa" é uma comédia—, ele usa todo o arsenal da música romântica contra ela mesma, desconstruindo ironicamente cada convenção do estilo.

Presente em camadas do ótimo texto de Hofmannsthal, a ironia está antes de tudo na música, e dela passa ao público, que riu boas gargalhadas na récita de estreia, que ocorreu nesta sexta-feira.

Característica forte de alguns de seus poemas sinfônicos, o humor é levado ao limite por Strauss em "O Cavaleiro da Rosa". Em mais de um sentido, ele subverte o gênero.

Primeiro, brinca com as peripécias, comuns na história da ópera desde o barroco, de Octavian, personagem masculina interpretada por uma mulher que ao longo da história se traveste de homem. Depois, caracteriza o estereótipo do baixo bufo-cafajeste no barão Ochs. E ainda escancara a naturalização do adultério na alta sociedade vienense com Marechala e tira sarro da metafísica simbólica dos dramas musicais de seu antecessor, Richard Wagner.

Dessa forma, o gênero que está em questão é, primeiramente, a própria ópera romântica. O cavaleiro que surge como vindo de outra dimensão ("Lohengrin"?) é também o emissário do noivo perante a mulher destinada ao matrimônio, mas que se apaixona perdidamente por ela em um olhar ("Tristão e Isolda"?), mas igualmente traz um símbolo —a rosa de prata— ao qual está atribuído um leitmotiv, uma convenção sonora, como em "O Anel do Nibelungo". De tudo ele tira sarro, não sobra pedra sobre pedra.

A montagem paulistana, que retoma e aperfeiçoa uma produção de 2018, leva em conta tudo isso. A suspensão harmônica marcante da música de Strauss, sua ambiguidade tonal, interpretada em alto nível de excelência e acabamento sonoro pela Orquestra Sinfônica Municipal, dirigida por Roberto Minczuk, é traduzida pelos objetos suspensos da cenografia.

Mesas, cadeiras, sofás, lustres e sobretudo camas estão sempre pendurados, suspensos nos acordes da música de Strauss. A ótima direção cênica de Pablo Maritano conta com cenografia de Desirée Bastos e brilhante desenho de luz de Aline Santini, um dos pontos altos do espetáculo.

Cantar Strauss exige mais do que bom preparo cênico e vocal. Suas exigências em termos de volume, resistência e homogeneidade em diferentes registros são imensas, e o grande destaque entre as vozes femininas, como os aplausos finais souberam reconhecer, foi a soprano argentina Carla Filipcic Holm, que interpreta Marechala. Entre as vozes masculinas, vale mencionar Hernán Iturralde, divertidíssimo como Barão Ochs, e Rafael Thomas como Faninal.

Montagem da ópera 'O Cavaleiro da Rosa', no Theatro Municipal de São Paulo
Cena de montagem da ópera 'O Cavaleiro da Rosa', no Theatro Municipal de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

No último ato, Strauss e Hofmannsthal criam uma escrachada trama farsesca, com uma shakespeariana peça-dentro-da-peça, com efeitos de assombração tais como Ingmar Bergman usou na cena noturna de seu filme "O Rosto", de 1958.

Muito antes de que o contemporâneo Maurice Ravel desconstruísse a valsa vienense com sua obra "La Valse", de 1920, Strauss avacalha em alto nível a dança de salão austríaca, com direito a comentários das personagens em tempo real. "Que música bunita", imitando em alemão uma forma popular de falar, o que é captado pela legenda em português na tradução de Irineu Franco Perpetuo. "Dá vontade di chorá."

De sério, só a passagem implacável do tempo, especialmente do tempo para o amor: "Não me abrace tanto", diz a mulher de meia-idade ao jovem amante. "Quem muito abraça pouco segura."

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