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Televisão Cinema

Por que 'Resident Evil' tem ótimos jogos, mas séries e filmes terríveis

Última aposta da Netflix, mesmo com boa audiência, foi massacrada pela crítica por fazer lambança de referências

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Filme de zumbi, por regra, é ruim. Filme baseado em videogame, idem. O videogame de zumbi "Resident Evil" passa do joystick ao controle remoto reiteradas vezes, sempre comprovando essa lógica.

Para produzir uma série de oito episódios baseada na franquia, lançada em julho, a Netflix adotou uma estratégia diferente –continuar a história contada nos jogos.

Siena Agudong em cena da série de 'Resident Evil', da Netflix
Siena Agudong em cena da série de 'Resident Evil', da Netflix - Netflix/Divulgação

Pôs, no mesmo programa, drama familiar adolescente –lugar comum da Netflix– e ação sanguinolenta em duas linhas narrativas. Deu ruim.

A audiência detestou e registrou o desapontamento pelos canais digitais com fúria e escárnio. Acompanhar as reações chega a ser mais divertido do que o próprio programa.

Sites agregadores de opiniões, como Rotten Tomatoes e IMDb, registram notas baixas e ofensas impublicáveis. No Metacritic, "Resident Evil" é a pior da história da profícua Netflix. Reação especialmente significativa dado o atual êxodo de assinantes na plataforma.

Os episódios avançam a trama nos anos de 2022 e 2036 ao mesmo tempo. No núcleo contemporâneo, pululam referências a Covid, Elon Musk, Google, 4Chan e outras mazelas da vida presente.

A trama acompanha as irmãs de 14 anos Jade Wesker e Billie Wesker, filhas de Albert Wesker, interpretado por Lance Reddick. Com atuação multidimensional, o ator de "A Escuta" é o melhor aspecto da série —o que não quer dizer muito, já que o nível é baixo no geral.

A família chegou há pouco à cidade de Raccoon. Com ares de condomínio asséptico, a localidade serve de dormitório para empregados da corporação Umbrella.

Meme comentando o lançamento da série de 'Resident Evil' em comparação aos filmes de Paul W.S. Anderson, que adaptam os jogos da série
Meme comentando o lançamento da série de 'Resident Evil' em comparação aos filmes de Paul W.S. Anderson, que adaptam os jogos da série - Reprodução

Wesker, Raccoon, Umbrella são nomes já conhecidos entre os jogadores de "Resident Evil". Neófitos serão afogados não só no complicado arco dos jogos, mas também nas explicações de como essas peças foram rearranjadas na série.

Para dificultar, nenhum personagem gera empatia. As garotas exibem o kit completo de clichê de enlatado adolescente, com direito a treta de refeitório, decisões estúpidas e muita birra.

Mesmo dentro dessa zona segura, já trilhada inúmeras vezes por Hollywood, o roteiro derrapa com referências estrambólicas, como uma menção a uma versão pornô de "Zootopia", o desenho animado da Disney, de 2016.

Em paralelo, são mostradas cenas do futuro, com alguns milhões de humanos tentando sobreviver a bilhões de zumbis. Já adulta, Jade é o centro das atenções em suas aventuras científicas para tentar compreender o vírus que destroçou o planeta.

É nesse futuro que se passa a maior parte da ação, com tiros na cabeça de zumbis e monstrões quase pegando a mocinha. Filmagens corretas, sem nada marcante.

Os saltos temporais impedem a trama de estabelecer um tom. Cenas como a da vilã Evelyn Marcus dançando ao som de Dua Lipa soam constrangedoras, por melhor que seja "Don't Start Now".

Considerando a matéria-prima, era previsível uma certa liberdade para o bizarro, com câmbios entre o dramático e o engraçado. Enquanto videogame, "Resident Evil" hospeda de tudo em sua narrativa elástica, de homem-planta a agente secreto, sem explicar muito.

O jogo de videogame original foi lançado em 1996 para PlayStation, um dos primeiros consoles a trabalhar com CD. Hoje os 640 MB de um disco equivalem a um vídeo de celular de poucos minutos em alta resolução. Para a época, era um latifúndio.

O espaço extra permitiu dublagens. Inexperiente, a produção entregou atuações bregas, com frases pobres.

O que era involuntário se tornou estilo. Os jogos mantiveram a estranheza. Em "Resident Evil 4", de 2005, um dos mais celebrados, há uma estátua robô gigantesca de um anão espanhol trajando roupas de nobreza do século 18 em um castelo.

"Resident Evil 7" veio com mudanças radicais. Usou a perspectiva em primeira pessoa, aumentou a dose de terror, trouxe protagonista e motor gráfico inéditos.

Desde então, a Capcom lança um jogo de alta produção da franquia a cada ano e meio. Ainda assim, mantém o interesse dos jogadores. O mais recente balanço da empresa aponta que a marca vendeu mais de 127 milhões de cópias de jogos.

É a mais popular entre as propriedades intelectuais da companhia japonesa, também dona de joias como "Monster Hunter", "Street Fighter" e "Mega Man". Cada uma dessas propriedades intelectuais teve adaptações para formatos em audiovisual.

Diversas estratégias foram adotadas para replicar o sucesso de "Resident Evil" na tela grande. Paul W. S. Anderson (de "Pompeia") criou um universo próprio ao longo de seis filmes, todos protagonizados por Milla Jovovich.

No final do ano passado chegou aos cinemas "Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City", mais fiel aos jogos, em especial os três primeiros. Disponível na HBO Max, o filme é, ao mesmo tempo, um empecilho e uma explicação para quem assiste ao seriado da Netflix.

Albert Wesker não é o mesmo; a antiga cidade de Raccoon, em linhas gerais, sim; um cachorro zumbi morre a golpes de extintor em ambas as obras por coincidência. Que o espectador se dirija à Wikipédia ou canais da chamada cultura nerd para separar o joio do trigo.

Uma alternativa é assumir que a releitura da Netflix, comandada por Andrew Dabb (de "Supernatural"), é uma fanfic. Sem se preocupar com continuidade, assumindo que é um programa para ser visto dando umas consultadas no celular ou em velocidade rápida.

Mesmo rejeitada, "Resident Evil" deu audiência, figurou entre as dez mais vistas da Netflix após sua estreia. Ocupa o segundo lugar de série mais discutida neste ano no Metacritic. Perde para "Obi-Wan Kenobi", do Disney+, e é seguida por "Halo", outra adaptação de videogame, da Paramount+.

Até meados dos anos 2000, o fluxo natural era dos games se basearem nos filmes. Essa corrente gerou obras problemáticas –"E.T." da Atari simboliza uma crise avassaladora no mercado nos anos 1980.

Tentativas como "Resident Evil" da Netflix apontam uma inversão nesse movimento, agora são os games pautando o audiovisual. No ano que vem, será a vez da série da HBO "The Last of Us", baseada, veja só, no célebre game com zumbis de mesmo nome.

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