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Quem é Salman Rushdie, escritor esfaqueado nos EUA e perseguido por blasfêmia

Autor de 'Os Versos Satânicos', proibido no Irã, já sofreu outros ataques e recompensa por sua vida passa dos US$ 3 milhões

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São Paulo

O autor anglo-indiano Salman Rushdie sofreu um atentado nesta sexta-feira quando se preparava para dar uma palestra em uma organização beneficente localizada em Chautauqua, cidade no oeste do estado de Nova York, nos Estados Unidos.

Não é primeira vez que ele, um dos maiores escritores de sua geração, é atacado. A perseguição que ele sofre remonta a 1988, quando Rushdie publicou "Os Versos Satânicos", romance de fantasia que foi considerado ofensivo a Maomé e à fé islâmica.

O autor anglo-indiano Salman Rushdie - Joel Saget - 10.set.18/AFP

Então, o aiatolá Khomeini defendeu que o escritor fosse assassinado, e a perseguição foi mantida em vigor pelas mais altas autoridades religiosas do país em 2005.

O primeiro atentado contra sua vida foi em 1989, um ano após a publicação do livro, quando um terrorista preparou um livro-bomba, a ser entregue a Rushdie num hotel em Londres. A bomba acabou explodindo antes do planejado, matando o próprio autor do atentado, que foi sepultado como "o primeiro mártir a morrer em uma missão para matar Salman Rushdie".

Nesta sexta-feira, um homem branco, de cabelo raspado e com roupas camufladas por baixo de um casaco preto, identificado como Hadi Matar, invadiu o palco e esfaqueou o escritor de 75 anos no pescoço, segundo nota da polícia à imprensa. Uma testemunha contou à agência Associated Press que viu o autor receber de dez a 15 golpes. O escritor caiu no chão, foi socorrido e levado ao hospital de helicóptero. ​

A recompensa pela sua cabeça era de US$ 2,5 milhões em 1997, passando para mais de US$ 3,3 milhões em 2012. Em 2016, até meios de comunicação estatais do Irã se reuniram para arrecadar mais US$ 600 mil na recompensa pela cabeça do autor.

Apesar de oficialmente a fatwa —um decreto religioso, no caso, uma que ordenou a morte de Rushdie por blasfêmia a Maomé— já ter sido dita como encerrada em 1998 pelo ex-presidente iraniano Mohammad Khatami, na prática, a perseguição nunca parou.

Ela, inclusive, se estendeu para outras pessoas ligadas ao livro, como tradutores. Em 1991, o tradutor japonês do livro, Hitoshi Igarashi, foi assassinado na Universidade de Tsukuba, e se acredita que a fatwa tenha motivado o esfaqueamento. O tradutor da obra para o italiano, Ettore Caprioli, e o editor do livro na Noruega, William Nygaard, também sofreram ataques nos anos 1990, mas sobreviveram.

"Os Versos Satânicos", em particular, conta a história de dois atores indianos muçulmanos que sobrevivem a um atentado num avião e, quando caem na Inglaterra, um se transforma num anjo, outro num demônio. Enquanto um recebe visões do arcanjo Gabriel e perde a sanidade, espantado por eventos fantásticos da história e mitologia islâmicas, o outro passa a ser tratado com repulsa pelas autoridades britânicas que estimava.

Um dos centros da polêmica está nas alucinações do anjo, que evoca um episódio controverso do islã, em que o profeta Maomé teria sido enganado pelo diabo, com versos que acabaram incorporados ao Alcorão e depois teriam sido retratados pelo profeta ao perceber seu erro. Dentre as cenas alegóricas que tratam ainda do período colonial, o aiatolá Khomeini também aparece de forma alegórica.

Rushdie veio de uma família muçulmana liberal, mas hoje se considera ateu. Já em 1989, dizia "não acreditar em entidades sobrenaturais, sejam cristãs, judias, muçulmanas ou hindus". No ano seguinte, ele até tentou dizer publicamente que tinha renovado sua fé no islã, condenando os ataques à religião feitos pelos personagens de seu romance. Posteriormente, disse que estava fingindo.

Ele também já deu declarações em que chama religiões de "uma forma medieval de irracionalidade" e criticou o "totalitarismo religioso" que teria surgido da união da Igreja com um Estado fortemente armado.

Numa lista divulgada em 2010, Rushdie aparecia como um dos alvos da Al-Qaeda, em que também constavam nomes como o de Stéphane Charbonnier, um dos cartunistas mortos no atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, em 2015.

Desde o episódio envolvendo este que continua sendo seu livro mais célebre, Rushdie passou a viver sob forte segurança no Reino Unido, onde estudou desde a juventude. Ele vive nos Estados Unidos desde 2000.

O autor nascido em Mumbai venceu o Booker, principal prêmio da literatura em língua inglesa, por "Os Filhos da Meia-Noite" em 1981, e tem entre seus outros livros mais famosos "O Último Suspiro do Mouro" e "Oriente, Ocidente". Ele é publicado no Brasil pela Companhia das Letras.

Em "Joseph Anton", sua obra mais autobiográfica publicada há uma década, ele conta as memórias de seus anos se escondendo da perseguição religiosa com o nome falso que intitula o livro.

Seu projeto literário é marcado pela exploração fantástica das tradições religiosas e culturais de diversas civilizações espalhadas pelo mundo, sempre com um estilo afiado e sem concessões. O incômodo provocado por "Os Versos Satânicos" envolvia o fato de o livro ficcionalizar a vida do profeta Maomé.

Durante o lançamento de seu romance mais recente, "Quichotte", no ano passado, ele deu entrevista a este jornal defendendo a reconstrução de verdades objetivas pelo jornalismo num mundo cada vez mais conduzido por narrativas e crenças subjetivas.

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