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Ruy Castro em 'Os Perigos do Imperador' volta à ficção mergulhada na realidade

Escritor que não desgruda dos fatos traz dom Pedro 2º como protagonista de trama policial armada por republicanos radicais

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Pintura de D. Pedro por Daniel Lannes

Retrato de dom Pedro realizado pelo artista Daniel Lannes Filipe Berndt/Reprodução

Rio de Janeiro

Na visão do escritor Ruy Castro, autor de clássicos da não ficção brasileira e colunista deste jornal, o leitor pode até deixar a realidade de lado ao abrir um livro de ficção. Mas ele não a abandona nem quando troca a pena do biógrafo pela do ficcionista.

Seu novo romance, "Os Perigos do Imperador", publicado pela Companhia das Letras —o terceiro de uma trajetória composta por três biografias, livros de reconstituição histórica, coletâneas e traduções— não foge à regra.

Pintura de Daniel Lannes retrata dom Pedro 2º - Filipe Berndt/Reprodução

"Oitenta por cento do livro é baseado em informação. Quando eu faço ficção, acho perfeitamente legítimo usar elementos da vida real", conta o autor, em entrevista por telefone. "O contrário não acontece. Não admito interferência da ficção em nenhuma biografia. A biografia tem que ser puramente informação."

"Os Perigos do Imperador" tem como protagonista o imperador dom Pedro 2º. Seu primeiro romance, "Bilac Vê Estrelas", de 2000, foi protagonizado pelo escritor Olavo Bilac. O segundo, "Era no Tempo do Rei", de 2009, se passava entre a infância e o início da juventude de dom Pedro 1º. "Eu criei uma adolescência que ele poderia ter vivido. Não tenho imaginação para criar personagens."

Por meio de elementos textuais como cartas, reportagens, diários do imperador e um narrador onisciente —os 20% de ficção dos quais é feito o livro—, Ruy Castro reconstitui uma trama político-policial armada por republicanos radicais para dom Pedro 2º em sua viagem para o centenário da independência dos Estados Unidos.

Embora o autor seja ele mesmo um leitor ávido da boa literatura policial —como as obras de Raymond Chandler ou de Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes—, o romance está longe dos clássicos do gênero em termos de estrutura narrativa.

Em "Os Perigos do Imperador", a tensão é composta paulatinamente, com muita habilidade, numa narrativa que faz lembrar clássicos do cinema como "Cidadão Kane", pela multiplicidade de vozes e visões, embora a inspiração tenha sido outra.

"Eu tirei do 'Drácula' do Bram Stoker", conta. O clássico é também ele composto de elementos intertextuais que se entrelaçam compondo o perfil do protagonista, da cidade (no caso, Londres) e da tensão narrativa.

O romance é composto de outros 54 livros —entre eles os poemas do americano Henry Wadsworth Longfellow, o poeta preferido de Pedro 2º, na edição de 1864, lançada como "Poems". "Não posso garantir que seja a edição que o dom Pedro tinha, de 1876. Mas há uma grande possibilidade de ser, porque corresponde exatamente à descrição que eu tenho, dois volumes, encadernados, pequenos."

O autor se baseia também no livro "American Notes", do escritor inglês Charles Dickens —que, em sua viagens aos Estados Unidos, descobriu que suas histórias eram reproduzidas pelos jornais locais sem que, no entanto, pagassem nada por isso, o que causou uma celeuma internacional que mudou a história do direito autoral.

Capa de 'Os Perigos do Imperador', romance histórico de Ruy Castro
Detalhe da capa de 'Os Perigos do Imperador', romance histórico de Ruy Castro - Divulgação

Outro material importante são as reportagens do jornalista americano James O’Kelly —que veio ao Brasil para acompanhar dom Pedro 2º desde os preparativos de sua viagem e se tornou personagem do livro. E os cadernos do poeta radicado em Nova York (e fervoroso republicano) Sousândrade.

Estes foram encontrados na feira de antiguidades da praça 15 de Novembro, no centro do Rio de Janeiro, em 2009, numa das escavações urbanas de Ruy Castro à caça da história carioca. As obras completas do poeta em verso, prosa e inéditos, organizadas na década de 1970, também compõem a bibliografia.

O escritor e jornalista Ruy Castro - Eduardo Knapp/Folhapress

O projeto de "Os Perigos do Imperador" começou a ser pensado há cerca de dez anos, mas outros livros tomaram a frente. O primeiro foi "A Noite do Meu Bem", de 2015, sobre a história do samba-canção. Na sequência, veio "Metrópole à Beira-Mar: O Rio Moderno dos Anos 20", publicado no fim de 2019, narrando os acontecimentos da então capital da República desde o Carnaval de 1919, após a gripe espanhola, até a Revolução de 1930.

Mal sabia que veria "o futuro repetir o passado", como diz Cazuza —personagem de "Ela É Carioca", a enciclopédia de Ipanema, do mesmo autor. "É uma calamidade que passou quase em branco pela história não do Brasil, do mundo. Você não tinha livros [para pesquisar]. Achei um livro chamado ‘A Gripe’ e falei ‘oba, é ela [a espanhola]'. E não, era o vírus da gripe desde o começo da humanidade. Dedicava duas páginas à espanhola."

O livro foi também a primeira página de uma querela que teria início no final do ano passado e se estenderia em colunas neste jornal, artigos na Ilustríssima e numa comentada entrevista no Roda Viva, da TV Cultura, sobre a Semana de Arte Moderna de 1922.

Ao defender a ideia —a partir de rigorosa reconstituição histórica em "Metrópole"— de que o Rio já era moderno e que a semana não é a pedra fundamental da moderna cultura brasileira, mas da cultura paulista-paulistana, Ruy Castro foi chamado de bairrista e provinciano.

No programa de entrevistas, foi acusado até mesmo de criar uma aura mítica em torno do Rio em obras como o já lembrado "Ela É Carioca", que ganhou uma visão revista e ampliada no ano passado, com sete novos verbetes —entre eles, o do fotógrafo Alair Gomes, assassinado há 30 anos por um dos garotos que levava para seu apartamento.

"Você tem ali [no ‘Ela É Carioca’] uma quantidade de histórias de pessoas que morreram de seus excessos, da sua coragem e de seu comportamento. As pessoas que disseram que o livro é um ‘oba oba’ não o leram. Aliás, não leram também o modernismo. Modernismo, para eles, é o que o Oswald de Andrade diz que é, de 1940 em diante", afirma. "Em tudo que eu escrevi a respeito [da Semana de 22], estou fazendo perguntas. Gostaria que me respondessem. Não responderam nada. Só estavam preocupados em me ofender."

Ruy Castro promete uma nova ficção daqui a dez anos. Mas vai manter o pique de publicações. Logo mais, sai uma nova edição de "O Anjo Pornográfico", a biografia de Nelson Rodrigues, celebrando as três décadas de sua publicação. O livro terá 200 emendas de texto —mas nenhuma informação nova.

"Eu não deixei nada importante de fora [da edição original]. As pessoas não estavam esperando um livro como o ‘Chega de Saudade’, uma história da bossa nova toda à base de informação. Aí comecei a fazer ‘O Anjo Pornográfico’. Se você faz uma coisa de que todo mundo gosta, sempre tem alguém dizendo que o outro [anterior] era melhor. Para evitar esse tipo de problema, pensava 'com o ‘Chega de Saudade’ eu passei o rodo, com ‘O Anjo Pornografico’ vou ter que passar o rodo, dar marcha ré e passar o rodo outra vez'. E foi o que aconteceu."

Sua experiência como biógrafo vai estar reunida num livro a sair no final do ano, feito a partir dos cursos ministrados (e gravados) por ​Ruy Castro desde 1998 e de sua experiência também como biógrafo do jogador Garrincha e da cantora e atriz Carmen Miranda, ambos pela Companhia das Letras. "Enquanto a editora estava trabalhando nele ['Os Perigos do Imperador'], eu peguei para terminar também esse livro." E já está trabalhando num próximo.

Os Perigos do Imperador

  • Preço R$ 69,90 (200 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autoria Ruy Castro
  • Editora Companhia das Letras
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