"Se tivesse pensado melhor, talvez não fizesse", diz Maitê Proença. Embora se refira à produção de "O Pior de Mim", solo com tintas autobiográficas que chegou ao palco do Teatro UOL no último final de semana, a a afirmação também poderia dizer respeito à maioria das declarações públicas que a atriz deu ao longo dos anos e que lhe renderam dores de cabeça.
Uma delas foi o apoio à ex-colega Regina Duarte, então recém-empossada secretária especial da Cultura. Ao pedir que a classe acolhesse a atriz, Proença reforçou uma imagem de bolsonarista que nunca cultivou, embora as redes sociais lhe imputem o título de apoiadora de primeiro momento de Jair Bolsonaro.
"Para um espectro político, parecia que eu apoiava o governo porque não o critiquei num primeiro momento da forma que esperavam. Nunca fiz nada da forma que as pessoas esperam. Havia ali uma mulher que nós conhecemos e não era uma total estranha", diz ela, que, pouco tempo depois, engrossou o coro de críticas à gestão de Regina.
Agora, a imagem de bolsonarista pode descolar da atriz, que decidiu declarar voto em Lula. O candidato já estava no radar da artista, mas a definição veio mesmo após o apoio de Marina Silva ao candidato do PT e do compromisso do candidato de adotar medidas de proteção ambiental às terras e aos povos indígenas.
"Digo que meu voto é anti-Bolsonaro. Pelo acordo com Marina, pela união democrática e na esperança de que, depois de desconsideradas as agressões de campanha, se aproveite tantas boas ideias do programa de Ciro Gomes, sim, votarei em Lula."
A declaração, diz Proença, não vem como uma busca de redenção nas redes sociais. Aquele já não havia sido, de fato, o seu primeiro cancelamento. Ela foi acusada de lesbofobia ao afirmar que preferia se relacionar com homens, por estar mais acostumada à dinâmica, embora estivesse namorando uma mulher, Adriana Calcanhotto, e gostando da experiência.
A discussão sobre a busca pela aceitação nas redes sociais vem junto da decisão que a atriz tomou de enfrentar seus demônios para alinhavar "O Pior de Mim", solo em que mergulha no que chama de sua "porta dos fundos", como o sadismo de sua profissão, o sexismo e a hipersexualização, que a alçou a símbolo sexual de uma geração.
O mergulho foi tão profundo que rendeu um livro, no qual a artista expõe o texto da peça e passagens que ficaram de fora da encenação, além de escrever sobre como sempre esteve longe de atingir os orgasmos que lhe eram atribuídos nas revistas. E também sobre uma ameaça de seu pai, que teria dito que a mataria se ela traísse o então companheiro, Paulo Marinho.
A ameaça não foi gratuita. O pai de Proença é acusado de ter matado a própria mulher por motivos de ciúme. A revelação da tragédia familiar ganhou repercussão nacional à revelia da atriz, em 2005, quando ela foi surpreendida pelo apresentador Fausto Silva no quadro Arquivo Confidencial, no Domingão do Faustão, que revelou a história ao país todo.
Ao perder o controle de sua história, a artista escreveu o romance "Uma Vida Inventada", em que mistura passagens biográficas com ficção. O livro foi lançado em 2008 e ganha nova edição, anexado ao texto de "O Pior de Mim".
Há muito exposto ali, inclusive o relato de como gravou uma cena sangrenta em que sua personagem matava o marido. As filmagens foram repetidas à exaustão, num processo que a atriz atribui a um sadismo do diretor para explorar seus traumas, o que ela considera um caso clássico de sexismo.
"A maioria dos profissionais que nos escalam são homens, e homens às vezes pensam com a outra cabeça, então à medida que fui envelhecendo talvez não interessasse tanto àquelas pessoas que estavam viciadas em me escalar em estereótipos."
Proença salienta que conseguiu superar os traumas e assumir uma liberdade emocional conquistada com a mesma paciência que usou, por exemplo, para analisar candidato a candidato antes de escolher a quem direcionar seu voto nas eleições. A atriz, contudo, não nega críticas à própria escolha.
"Meu voto é para que Bolsonaro não seja reeleito. É uma prioridade absoluta. Mas gostaria que não continuássemos com esse raciocínio de conchavos, de mensalão, com essa gente de quinta categoria, porque aí voltamos ao que temos hoje."
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