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Queerbaiting de Harry Styles vai muito além de sair ou não do armário

Cantor é acusado de se promover a partir de símbolos gays, mas não parece estar interessado em pôr fim à polêmica

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São Paulo

A música pop e a bandeira LGBTQIA+ sempre tiveram uma relação forte. De Madonna a Lady Gaga, várias foram as vozes que, entre um refrão e outro, advogaram pela diversidade, alçando seus portadores ao status de divas e ícones queer. Mas um desses ícones tem dividido opiniões dentro da própria comunidade –Harry Styles.

Em alta com o recém-lançado álbum "Harry’s House" e os aguardados filmes "Não se Preocupe, Querida" e "My Policeman", o britânico tem protagonizado debates acalorados que o acusam de "queerbaiting", isto é, de se promover em cima de símbolos LGBTQIA+.

Harry Styles será capa da Vogue em dezembro
Harry Styles usa vestido em capa da Vogue - Divulgação

Na semana passada, um artigo de opinião do jornal The New York Times intitulado "Harry Styles walks a fine line" –ou Harry Styles caminha sobre uma linha tênue– canalizou os ruídos cibernéticos ao cutucar o cantor por se recusar a rotular a própria sexualidade. Na contramão, o colunista deste jornal João Pereira Coutinho rebateu a americana Anna Marks ao escrever que a exigência para que se saia do armário é contraditória e cômica.

É realmente um ataque à privacidade exigir que qualquer artista dê explicações sobre sua vida amorosa e sexual. Se prefere manter o assunto particular, que assim seja. A polêmica que engole Styles, no entanto, vai muito além de uma simples categorização.

Ciente da controvérsia, o britânico parece querer alimentar a questão muito mais do que pôr um ponto final no assunto. Isso ficou claro em sua passagem pelo Festival de Veneza nesta semana, quando aleatoriamente decidiu dar um beijo na boca de Nick Kroll, seu colega de elenco em "Não se Preocupe, Querida". Ele não fez o mesmo com a própria namorada, a diretora Olivia Wilde.

Antes disso, em entrevista à revista Rolling Stone, Styles deu uma opinião não pedida sobre sexo entre homens, ao falar do romance que protagoniza no filme "My Policeman". "Muito do sexo gay nos filmes se resume a dois caras mandando ver e isso remove a ternura da coisa", disse, sugerindo um conhecimento ou lugar de fala que ele próprio se nega a assumir.

É no mínimo curioso, portanto, alguém opinar tão abertamente sobre o assunto ao mesmo tempo em que não quer se identificar como LGBTQIA+. As respostas de Styles quando questionado sobre sua orientação sexual vão de dizer que nunca esteve "publicamente com alguém", nem com mulheres, ao afirmar que se identificar com uma coisa ou outra é "ultrapassado".

"Eu sou muito aberto em relação a isso com meus amigos, mas essa é a minha experiência pessoal. A questão de para onde deveríamos caminhar, que é para um lugar de aceitação de todos, de sermos mais abertos, deveria ser o que importa. Não precisamos rotular tudo e esclarecer quais caixinhas estamos preenchendo", disse à revista Better Homes & Gardens.

O discurso é bonito, mas um tanto utópico para o contexto em que vivemos. Afinal, se assumir LGBTQIA+ num mundo em que quase 70 países ainda criminalizam a homossexualidade e outros tantos adotam políticas abertamente hostis ao grupo é um ato político e de resistência.

Seria lindo viver numa sociedade em que ninguém precisasse sair do armário, mas ainda não chegamos lá. Há certa inocência e bastante privilégio na fala de Styles, um cantor que em sua atual turnê passou por nações do leste europeu que vêm se notabilizado por promoverem uma caça às bruxas contra a população LGBTQIA+.

Não é que o britânico precise marcar um xis em uma caixinha ou outra, como ele mesmo sugeriu. Muitos artistas de sua geração se assumem queer sem especificar se são gays, bissexuais, pansexuais ou qualquer outra coisa –como Joshua Bassett ou Jesuíta Barbosa.

Mas, ao pregar que devemos nos libertar de rótulos, e indiretamente atacar os LGBTQIA+ que reforçam sua importância, Styles parece estar justamente resistindo em se descolar do rótulo padrão de heterossexualidade que todos recebem ao nascer.

Que seja. Essa não é, como já dito, a questão central da polêmica. Ninguém nunca exigiu que Madonna ou Britney Spears fossem diretas em relação à sua sexualidade depois de protagonizarem um beijo no MTV Video Music Awards em 2003. Pelo contrário, a cena virou um dos momentos mais catárticos da cultura pop queer.

Britney Spears beija Madonna no MTV Video Music Awards 2003 - Win McNamee/Reuters

Tampouco é problemático o fato de Styles romper padrões de gênero na forma de se vestir. É importante que tenhamos artistas dessa dimensão desmistificando o assunto e falando em prol da diversidade. Mas, como questionou Billy Porter, após alfinetar um ensaio fotográfico em que o cantor apareceu de vestido na capa da Vogue, "é essa pessoa que vocês querem ver como representante dessa conversa?".

Talvez a origem do problema esteja naqueles ao redor, que o alçaram ao posto de ícone queer. E Styles, que não é bobo, aproveitou. Conseguiu até papel em filme gay, apesar de a atuação ainda ser um apêndice em seu currículo –as acusações de queerbaiting simplesmente por ele fazer o personagem, vale dizer, são equivocadas.

De pouquinho em pouquinho, no entanto, o britânico acabou por acumular uma enorme quantidade de símbolos queer que hoje moldam sua persona artística. Um tecido azul pendendo do bolso traseiro da calça, que alude ao código de bandanas que homens gays usavam para buscar sexo nos anos 1970. Uma letra de George Michael tatuada no corpo. Flores desproporcionais na lapela, como as que Oscar Wilde usava.

Juntas, essas coisas todas dão munição a quem quer cutucar Harry Styles. E ele, por sua vez, parece se divertir ao cutucar todos de volta.

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