A queda de Kanye West: de profeta do rap a persona non grata do mundo da moda

Rapper, que sempre apoiou Trump, já se candidatou à Presidência e vestiu camiseta com a frase "White Lives Matter"

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A empresa alemã de equipamentos esportivos Adidas encerrou nesta terça-feira (25) sua colaboração com o rapper americano Kanye West, uma semana após a marca de luxo francesa Balenciaga, que também desenvolvia projetos com o artista, anunciar que se afastaria oficialmente de Ye, como também é conhecido o cantor.

Ambas cortaram as relações com o músico em resposta aos comentários antissemitas e racistas feitos por ele recentemente. Essa não é a primeira polêmica envolvendo o ex-marido de Kim Kardashian, que passou de referência da cultura pop a persona non grata.

Kanye West na Vanity Fair Oscar Party, em 2020 - AFP

"Após uma análise profunda, a empresa tomou a decisão de encerrar imediatamente a colaboração com Ye", declarou o grupo proprietário da marca Adidas em um comunicado, alegando que "não tolera o antissemitismo, nem qualquer outra forma de discurso de ódio".

A declaração é uma resposta às mensagens nas quais West atacava diretamente judeus nas redes sociais. As publicações, que já foram apagadas, provocaram a suspensão das contas do cantor no Twitter e no Instagram.

A Adidas havia dito no início deste mês que já estava reavaliando seus contratos com West depois que ele apareceu em um desfile de moda em Paris vestindo uma camiseta estampada com os dizeres "White Lives Matter" (vidas brancas contam, em tradução livre). A frase é usada por grupos de extrema direita e supremacistas brancos nos Estados Unidos em reação ao movimento "Black Lives Matter", que protesta contra o racismo.

"Ele estava tentando seguir os passos de Marcel Duchamp, mas fracassou", ironizou Gabriella Karefa-Johnson, jornalista de moda engajada na defesa das minorias, em referência ao francês papa da arte conceitual e conhecido, entre outras coisas, pela ironia de suas obras. Celebridades como as modelos Gigi Hadid e Hailey Bieber também criticaram a postura do rapper. Até sua ex-mulher, a estrela de reality Kim Kardashian, se disse "indignada" com a postura do músico.

Prejuízo de milhões

A principal colaboração da Adidas com West é por meio da linha de tênis Yeezy, assinados pelo rapper e cujas vendas ultrapassaram US$ 1 bilhão em 2019, segundo números da revista Forbes. De acordo com o grupo alemão, o fim da parceria terá "um impacto negativo que pode chegar a € 250 milhões em 2022". No entanto, a empresa, que já antecipa uma possível disputa nos tribunais, afirma deter os direitos autorais de todos os modelos que fazem parte da colaboração.

O rompimento do contrato com a Adidas é a reação mais emblemática da queda gradual de West, que vem perdendo seus apoios nos últimos meses. A maison Balenciaga, que frequentemente colaborava com o rapper, colocou um ponto final em "qualquer relação e projetos futuros" com o músico. Em janeiro passado foi a vez da marca americana Gap encerrar sua colaboração com o autor do famoso hit "Flashing Lights".

A produtora de MRC, que tinha rodado um documentário sobre sua vida, também anulou o projeto, alegando que "não podia apoiar nenhum conteúdo que aumentasse sua audiência" e até a CCA, agência que o representava e uma das mais importantes de Hollywood, indicou que iria romper seu contrato.

O rapper de 45 anos ficou conhecido do grande público em 2004, ao lançar músicas como "All Falls Down", quando já fazia bolsas Vuitton desfilarem em seus clipes. Rapidamente começou a fazer parcerias com marcas, entre elas a Nike, que lançou o primeiro modelo dos tênis Yeezy. Com apenas 3.000 pares comercializados, o calçado se tornou rapidamente um objeto de desejo dos adeptos da moda urbana.

Em seguida, a gigante francesa de luxo Louis Vuitton lançou uma coleção de peças desenhadas por West, que também virou cult, com modelos revendidos por preços estratosféricos para colecionadores. O sucesso dessa incursão do artista na moda foi tamanho que, em 2014, após um rompimento de contrato que entrou para a história, os produtos da Yeezy passaram a ser fabricados e comercializados pela Adidas, que também investiu em uma linha de roupas com o mesmo nome.

Candidato à Presidência dos EUA e "Deus do rap"

Na mesma época, as imagens de West ao lado de Kim Kardashian na capa da revista Vogue colocaram o casal no patamar de ícones da moda e também do luxo streetwear. Mas a relação do músico com essa indústria nunca foi um mar de rosas.

As roupas que criou sempre dividiram os críticos, que apontavam muitas vezes a falta de criatividade. Mesmo assim, o ex-diretor artístico da grife Louis Vuitton, Virgil Abloh, morto em 2021, seu amigo de longa data, sempre apresentava o rapper como seu mentor.

Alguns de seus desfiles também foram marcados por escândalos. Como em 2016, quando várias modelos desmaiaram após horas em pé, sob um sol escaldante em Nova York, em um episódio que rendeu ao cantor acusações de maus-tratos das profissionais.

Mas, paralelamente à sua carreira de rapper e design de moda, West acumulou momentos outros polêmicos, e também risíveis. Em 2020, ele que sempre apoiou Donald Trump, chegou a se candidatar à Presidência dos Estados Unidos.

Em seu primeiro discurso de campanha, no qual apareceu vestido com um colete à prova de balas, criticou o aborto e contestou o papel de heróis da luta contra a escravidão.

Kanye West na corrida presencial de 2020, nos Estados Unidos - Reuters

Inúmeras vezes o artista, que diz sofrer de distúrbios bipolares, expôs uma boa dose de megalomania assumida. Como em 2019, após lançar o disco "Jesus Is King" e se proclamar deus do rap. Em seguida, West começou a organizar cerimônias com ares de culto gospel e alguns de seus fãs chegaram a fundar um simulacro de religião, batizada Yeezianity.

West entendeu como poucos que criar polêmica ampliava sua celebridade. Mas em tempos de cultura do cancelamento, seus últimos deslizes podem custar caro. Afinal, como ele mesmo já dizia em seu primeiro sucesso, "tudo desmorona".

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