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'Flores de Verão' explora o testemunho do horror da bomba em Hiroshima

Clássico de Tamiki Hara, que sobreviveu ao ataque, faz espécie de caderno de anotações sobre o acontecimento

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Flores de Verão

  • Preço R$ 55 (136 págs.)
  • Autoria Tamiki Hara
  • Editora Tinta-da-China
  • Tradução Jefferson José Teixeira

O narrador de "Flores de Verão", clássico da literatura japonesa escrito por Tamiki Hara e publicado pela Tinta-da-China no Brasil, observa o fogo que se alastrava em Hiroshima após o lançamento da bomba atômica, pelos Estados Unidos, em 6 de agosto de 1945. "Preciso deixar tudo isso por escrito", pensou o personagem.

O ato de escrever funciona como metalinguagem. Sabe-se que o protagonista faz anotações em seu caderno, ao mesmo tempo em que é possível inferir que é justamente o resultado de sua escrita o livro que o leitor de "Flores de Verão" tem em mãos.

Foto de 10 de agosto de 1945 mostra dois irmãos que sobreviveram à bomba lançada em Hiroshima pelos Estados Unidos - AFP

O recurso dialoga com o elaborado por Erico Verissimo na saga "O Tempo e o Vento": quem chega ao final do sétimo volume descobre que a história foi escrita por um dos personagens. Em "Flores de Verão", porém, esta é apenas uma interpretação possível, seja pela composição do texto que indica que o personagem faz anotações seja porque Tamiki Hara (1905-1951) é um sobrevivente da bomba.

Entendida aqui como um romance por formar um conjunto coeso e contínuo —antes da bomba, suas consequências imediatas e a retomada posterior dos sobreviventes—, há quem possa enxergar na obra os capítulos como contos, especialmente porque ao final deles há indicações de diferentes locais e datas de escrita. Tais detalhes, todavia, ajudam a criar a aura de caderno de anotações.

A obra começa com o retorno de Shozo, o protagonista, à casa da família em Hiroshima após ficar viúvo. Aqui, e em outros pontos, a biografia do autor e do personagem se confundem. Inicialmente narrado em terceira pessoa, o romance apresenta o cotidiano da família afetado pela guerra.

Uma atmosfera de incerteza toma conta dos personagens, obrigados a se adaptar com a rotina de alarmes, treinamentos militares e as malas sempre prontas para fugir. São sinais de algo macabro. Mesmo ao observar os desentendimentos entre o irmão e a cunhada, Shozo sente uma estranheza que transcende as confusões domésticas. "Shozo sentia um ar pesado pairando ao redor", diz o narrador.

Mudando a narração para a primeira pessoa, Shozo passa a contar sua história e substitui momentaneamente a insegurança pela paz matinal de um cemitério. Shozo leva flores —"embora ignorasse o nome das flores, elas pareciam realmente de verão"— e incenso ao túmulo da mulher. A calma logo é interrompida: "Dois dias depois a bomba atômica explodiu".

As flores remontam também ao clássico "Hiroshima", de John Hersey, reportagem publicada originalmente na revista The New Yorker em 1946. Em "Hiroshima", o reverendo Kiyoshi Tanimoto observa logo após a explosão: "Em alguns corpos despidos as queimaduras acompanham o contorno das camisetas e suspensórios e, na pele de algumas mulheres, o das flores dos quimonos", escreveu Hersey.

Em "Flores de Verão", Shozo estava no banheiro quando a bomba explode. Ao deixar as ruínas, começa a ver pessoas desfiguradas pedindo ajuda e água. O relato coincide com o testemunhado por Takashi Morita, sobrevivente que se mudou para o Brasil, no seu livro "A Última Mensagem de Hiroshima". "Sequer tinha certeza de que se tratava de um ser humano", relembra Morita na obra. "Era uma pessoa nua, com o corpo todo queimado, parecia revestida de carvão".

A edição da Tinta-da-China tem relevos na capa que lembram os inúmeros rios que atravessam Hiroshima. A edição traz também fotos históricas que dão conta da destruição, incluindo o clarão causado pela bomba e fotografado pela Força Aérea dos Estados Unidos.

No retrato de Tamiki Hara, que olha direto para a câmera fotográfica, há um reflexo luminoso nos seus óculos. É como se ele estivesse observando a bomba. Sua expressão lembra os versos de Vinicius de Moraes no poema "A Bomba Atômica", de 1954: "Dos céus descendo/ Meu Deus eu vejo/ De paraquedas?/ Uma coisa branca". O eu-lírico mais adiante se espanta e conclui em letras maiúsculas: "É A BOMBA ATÔMICA".

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