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Johnny Depp e Amber Heard viram tema de filme raso e oportunista

Longa transforma a desgraça alheia em entretenimento, com roteiro que evita se posicionar para não alienar nenhum público

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Hot Take: The Depp/Heard Trial

"Hot Take" é uma expressão idiomática americana que não tem uma tradução exata em português. Ao pé da letra, os termos significam "tomada quente", mas vêm sendo usados, principalmente nas redes sociais, como sinônimos de opinião controversa, muitas vezes sem base factual.

Não faltaram "hot takes" na internet durante o julgamento dos processos que os atores e ex-cônjuges Johnny Depp e Amber Heard moveram um contra o outro. Ela o denunciava por violência doméstica; ele a acusava de difamação.

A atriz Amber Heard e o ator Johnny Depp, durante o julgamento em Fairfax, na Virginia
A atriz Amber Heard e o ator Johnny Depp, durante o julgamento em Fairfax, na Virginia - Samuel Corum/AFP


O caso foi levado a júri popular e transmitido online em tempo real, alcançando uma audiência expressiva. Também polarizou o público, que se dividiu em torcidas exaltadas pelos dois astros.

No final, ambos perderam, mas ela perdeu mais: Heard foi condenada a pagar US$ 15 milhões ao ex-marido (aproximadamente R$ 78 milhões), e Depp, a pagar US$ 2 milhões à ex-mulher (cerca de R$ 10,4 milhões). Ambos recorreram das sentenças.

A relação tóxica do casal é revisitada em um longa que dramatiza o caso, "Hot Take: The Depp/Heard Trial" (ou opinião polêmica: o julgamento Depp/Heard), disponível na plataforma gratuita Tubi para usuários nos Estados Unidos.

Trata-se de um filme perfeitamente inserido na longa tradição da TV americana de produzir telefilmes sobre escândalos recentes. Seu maior diferencial é a velocidade com que foi feito: o julgamento terminou no dia 1º de junho passado, e "Hot Take" foi lançado no dia 30 de setembro.


O filme também inova ao encaixar na narrativa a repercussão do imbróglio nas redes sociais. A ação é interrompida a toda hora por vídeos supostamente postados na web por uma fã ardorosa de Depp, uma feminista defensora de Heard e um comediante não muito engraçado, entre outros. Essas intervenções funcionam como uma espécie de coro grego, comentando o desenrolar dos acontecimentos e exemplificando o circo midiático que se formou em torno do caso.

O julgamento em si não tem muito destaque, apesar de aparecer no título do longa. De fato, não faz muito sentido reproduzir com atores um embate real que foi integralmente registrado pelas câmeras e ainda está disponível na internet. As cenas no tribunal servem mais para introduzir momentos de intimidade do casal, desde o dia em que se conheceram até a dissolução final do casamento.

A qualidade do elenco não costuma ser alta nos telefilmes desse gênero, e "Hot Take" não é exceção. Johnny Depp e Amber Heard são interpretados, respectivamente, por Mark Hapka e Megan Davis, atores de talento e carisma medianos. Ele é 19 anos mais novo do que o verdadeiro Depp; ela, três anos mais nova do que Heard, mas aparenta ser mais velha. Nenhum dos dois se parece muito com seu personagem.


Com menos de uma hora e meia de duração, "Hot Take" não é difícil de assistir, ainda mais se o espectador tiver algum interesse pela vida privada das celebridades. O filme mostra o casal fazendo sexo, consumindo drogas e brigando por causa delas (Heard queria que Depp se tornasse totalmente abstêmio, coisa que ela mesma não era).

Mas o maior problema de "Hot Take" é seu "doisladismo". O filme não toma partido de nenhum de seus retratados. Algumas cenas são exibidas duas vezes, com desfechos diferentes, de acordo com os depoimentos conflitantes do ex-casal. Quem quiser saber se Depp batia mesmo em Heard, ou se ela foi de fato responsável pelo acidente em que ele perdeu a ponta de um dedo, vai continuar na dúvida.

A conclusão inescapável é que "Hot Take" não passa de um produto raso e oportunista, que transforma a desgraça alheia em entretenimento. Tal qual um artista "isentão", o roteiro evita se posicionar, para não alienar nenhuma parte do público.

Dirigido por uma mulher, Sara Lohman, o filme só abre concessão ao movimento #MeToo, que denuncia o assédio sexual, ao incluir um letreiro final pedindo às vítimas da violência doméstica que denunciem seus algozes e busquem ajuda profissional. É pouco.

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