Descrição de chapéu Obituário Luiz Galvão (1935 - 2022)

Luiz Galvão, poeta e fundador dos Novos Baianos, morre aos 87 anos

Amigo de João Gilberto, artista foi responsável por escrever a maioria das letras das músicas gravadas pela banda

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Dadi, Bola, Gato Félix, Baby, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes, em roda de samba no sítio em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, nos anos 1970

Dadi, Bola, Gato Félix, Baby, Luiz Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes, em roda de samba no sítio em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, nos anos 1970 Arquivo Nacional

São Paulo

Poeta, principal letrista e fundador dos Novos Baianos, Luiz Galvão morreu aos 87 anos na noite deste sábado (22). Ele estava internado no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), na cidade de São Paulo, onde se recuperava de um infarto. A cerimônia de cremação acontece nesta segunda (24), na capital paulista.

A morte, cuja causa não foi divulgada, foi confirmada por seu filho, Lahirí Galvão, e por Caetano Veloso, além da companheira de banda Baby do Brasil, todos no Instagram. "Vá em paz, meu papai!", escreveu Lahirí.

Luiz Galvão, compositor dos Novos Baianos
Luiz Galvão, compositor dos Novos Baianos - Reprodução

Baby do Brasil afirmou que nos últimos anos Galvão enfrentou diversos problemas de saúde. Ela também escreveu sobre sua relação com o artista. "Vivemos tantos anos juntos, em grupo, morando no sítio Cantinho do Vovô, na Cobertura de Botafogo e em outros endereços. Totalizamos dez anos de vida juntos. Tivemos esse privilégio, de estarmos sob o mesmo teto, vivendo uma experiência única e intransferível."

Ela se lembrou de músicas que ele escreveu para que ela cantasse, como "A Menina Dança" e "Tinindo Trincando", duas das mais conhecidas na voz da cantora. "Nos tornamos uma família, desde 1969, quando começamos. Investimos com extrema dedicação no propósito de fazermos uma música, genuína, com as melhores influências de todos os tempos e sobretudo brasileiríssima!"

Caetano Veloso, que compôs com Galvão "O Farol da Barra", também se despediu do amigo. "Galvão criou e liderou o grupo Novos Baianos, acontecimento que se coloca entre os que mudaram o rumo da história do Brasil. Sendo de Juazeiro, atraiu João Gilberto para a casa coletiva em que viviam os membros do grupo. E isso definiu o caminho rico que se pode resumir no álbum 'Acabou Chorare', mas que se desdobrou em muito mais. Vamos sentir saudade dele —e também celebrar a peculiaridade de sua pessoa."

Nascido em Juazeiro, na Bahia, Luiz Galvão se formou em agronomia, ramo em que trabalhou por alguns anos antes de conhecer em Salvador Moraes Moreira, morto em 2020, e Paulinho Boca de Cantor. Torcedor do Vasco, ele também jogou futebol profissional na cidade natal.

Galvão e Moreira moravam na mesma pensão na capital baiana, onde criaram os Novos Baianos, um dos grupos mais importantes e criativos da história da música brasileira. A banda incorporou Pepeu Gomes e Baby do Brasil, que, à época, era chamada de Baby Consuelo.

O grupo estreou em 1969 no Quinto Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, e lançou seu primeiro álbum, "É Ferro na Boneca", no ano seguinte. Mas foi em 1972, após um encontro com João Gilberto, quando já moravam no Rio de Janeiro, que os Novos Baianos marcam a história da MPB com o álbum "Acabou Chorare".

O disco, que tem no repertório faixas marcantes como "Mistério do Planeta", "Preta Pretinha" e "A Menina Dança", além da faixa-título, vendeu 100 mil cópias e se tornou um clássico no cancioneiro brasileiro. Galvão é autor das letras de todas essas canções, musicadas por Moraes Moreira. A dupla formava o principal núcleo de composição da banda.

No Rio, eles chegaram a viver como nômades, sem dinheiro e compartilhando as roupas, comendo e dormindo na casa de amigos, como narra o livro "Caí na Estrada com os Novos Baianos", de Marília Aguiar, ex-mulher de Paulinho Boca de Cantor.

Na época de "Acabou Chorare", os baianos já moravam juntos num sítio em Jacarepaguá na zona oeste do Rio de Janeiro chamado Cantinho do Vovô. Absorvendo as influências da contracultura que vinham no exterior, a banda, que mais tinha cara de coletivo, fez do local uma espécie de comunidade hippie, com futebol, samba, choro e rock and roll.

Moravam lá os integrantes da banda, incluindo os percussionistas Bola, Jorginho e Charles, suas namoradas ou esposas com os filhos, além de agregados. Era um ambiente criativo, onde o grupo compôs a maioria de seus sucessos, lançados nos anos 1970.

O escritor e letrista Luiz Galvão, ex-integrante dos Novos Baianos, em foto de 1997
O escritor e letrista Luiz Galvão, ex-integrante dos Novos Baianos, em foto de 1997 - Xando Pereira/Folhapress

Também havia muito futebol. "Quando pintava dinheiro, iam até a lojinha do Nilton Santos comprar material para o time", disse Marília em entrevista à Folha. "Levavam tudo nas turnês. Tinham uma malinha de primeiros socorros com a inscrição Novos Baianos Futebol Clube. Tinha até massagista, que era um índio argentino que morava com a gente."

Foi naquele sítio que os Novos Baianos desenvolveram a influente mistura de de samba com choro, baião, bossa nova, guitarras de rock, psicodelia e a influência da tropicália. "As pessoas me perguntam: 'Que horas vocês ensaiavam?'. A vida era um ensaio", disse Moraes Moreira, em entrevista à Folha em 2016, afirmando que tinha ouvido uma adolescente dizer que o sonho dela era ter vivido no sítio com eles. "Falei: 'Tome juízo, menina. Você não sabe o que acontecia lá'."

"Acabou Chorare", álbum definitivo desta estética, passou ao longo dos anos a ser considerado uma das maiores obras da música brasileira. O álbum, aliás, é o primeiro da lista de 500 maiores discos da música brasileira, publicada em 2007 pela versão nacional da revista Rolling Stone.

No álbum "Novos Baianos F.C.", de 1973, Galvão e Moraes assinam outras faixas memoráveis. Entre elas estão "Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora", "Quando Você Chegar" e "Com Qualquer Dois Mil Réis", uma colaboração de Pepeu Gomes.

Os Novos Baianos lançaram "Vamos pro Mundo" e "Novos Baianos", ambos de 1974, antes da saída de Moraes Moreira, que se deu no ano seguinte. Antes de chegar ao fim. a banda ainda fez outros três álbuns —"Praga de Baiano", de 1976, "Caia na Estrada e Perigas Ver", de 1977, e "Farol da Barra", de 1978.

O grupo depois se reuniu para shows comemorativos, como a turnê "Infinito Circular", de 1995, que rendeu um disco ao vivo homônimo. Mais recentemente, todos os integrantes fizeram parte da turnê "Acabou Chorare e os Novos Baianos se Encontram", de 2016. Galvão é o segundo integrante da banda a morrer, depois de Moraes Moreira.

Após o fim da banda, em 1978, Luiz Galvão se dedicou à carreira de escritor. Em 1997, lançou o livro "Anos 70: Novos e Baianos", em que discute a banda, incluindo seu encontro seminal com Moraes Moreira na pensão de Dona Maritó, em Salvador, em 1967. No lançamento da obra, os Novos Baianos chegaram a se reunir em um show para homenagear Galvão.

Mais recentemente, já com a saúde debilitada, Galvão comentou a obra de João Gilberto e detalhou sua relação com o amigo e pai da bossa nova em "João Gilberto, A Bossa", de 2021. O livro, que vinha sendo escrito desde 1999, teve a edição final feita pela mulher do poeta, Janete Galvão.

Galvão e João Gilberto se conheceram em Juazeiro, quando ainda eram crianças. O bossanovista teve suas primeiras aulas de violão com Dagmar, irmão do poeta, e acolheu os Novos Baianos quando eles foram ao Rio, no começo dos anos 1970.

Da esquerda para à direita, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Pepeu Gomes (ao fundo) e Baby Consuelo, da banda Novos Baianos
Da esquerda para à direita, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Pepeu Gomes (ao fundo) e Baby Consuelo, da banda Novos Baianos - Acervo UH/Folhapress

Galvão conta no livro diversas histórias curiosas, como a ocasião em que João Gilberto, pouco familiarizado com a ideia de deixar dinheiro no banco, deu uma sacola cheia de notas e disse à mulher do poeta para comprar um carro. Ela reclamava que passava muito tempo no transporte público no trajeto entre sua casa e o trabalho.

"Ninguém nunca pedia. Ele sentia a situação. Era uma percepção misteriosa", disse Paulinho Boca de Cantor à Folha quando o livro foi lançado. "Quando ele nos visitava no apartamento dos Novos Baianos no Rio, logo dava muito dinheiro para que a gente comprasse comida no mercadinho 24 horas que tinha ali perto. Ele sempre se preocupou com o nosso jeito de viver."

"João Gilberto, A Bossa" também traz diversas histórias envolvendo o uso de drogas, principalmente a maconha, chamada pelo bossanovista de "Nelson". Num desses causos, surgiu a ideia da música "Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira", composta por Moraes Moreira.

Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão em show da turnê 'Acabou Chorare os Novos Baianos se Encontram'
Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão em show da turnê 'Acabou Chorare os Novos Baianos se Encontram' - Marcus Leoni/Folhapress

O episódio se deu durante um passeio de carro de João Gilberto com alguns dos Novos Baianos. Eles pararam para ver o nascer do sol, quando o cantor de "Chega de Saudade" viu uma mulher elegante descer o morro onde estavam, e disse "lá vem o Brasil descendo a ladeira".

Galvão também é autor dos livros "Novos Baianos: A história do Grupo que Mudou a MPB", de 2014, e "Anos 80: A História de Uma Amizade na Década Perdida", de 2021.

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