Descrição de chapéu Gal Costa

Como Gal Costa desafiou a ditadura em 1971 com o mítico show 'Fa-Tal'

Quando álbum ao vivo completou 50 anos, cantora disse à Folha que ainda não compreendia o culto a essa produção

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São Paulo

Quando perguntada por este jornal sobre como nasce um mito, a cantora Gal Costa apenas sorriu e disse que não sabia. Mas, há 51 anos, a artista baiana que morreu nesta quarta-feira deixou uma marca sem igual na trajetória da música e da cultura nacional.

Em 12 de outubro de 1971, no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, a cantora de 26 anos fazia o show "Gal a Todo Vapor", também conhecido como "Gal Fa-Tal", e desafiava a ditadura militar, o terror do AI-5 e se tornava uma espécie de musa do desbunde e vertente solar da contracultura brasileira.

A cantora baiana Gal Costa em 1971 - Ivan Cardoso/Acervo pessoal

"Eu sou uma fruta gogóia/ Eu sou uma moça/ Eu sou calunga de louça/ Eu sou uma joia", cantava ela.

Sua banda era formada por Lanny Gordin, guitarrista e responsável pelos arranjos, Novelli no baixo, Jorginho Gomes na bateria e Baixinho na tumbadora. No meio da primeira temporada —a segunda entrou pelo verão de 1972—, indicado por Gilberto Gil, Pepeu Gomes substituiu Lanny, que precisou fazer uma turnê com Jair Rodrigues.

Com produção de Paulinho Lima e direção artística de Waly Salomão, o "Fa-Tal" seduziu os desgarrados da esquerda e os nauseados com o poder militar.

Em entrevista a este jornal, Gal disse não compreender totalmente o porquê do disco gravado ao vivo ter se tornado tão celebrado. "Ele se tornou mítico. Até hoje as pessoas gostam e curtem, principalmente a galera mais nova. Cultuam esse disco", disse.

O álbum ao vivo serviu também para assimilar músicos badalados pelos tropicalistas, como Jorge Ben ("Charles Anjo 45") e Roberto e Erasmo Carlos ("Sua Estupidez"), apresentou a "Pérola Negra" de Luiz Melodia e lançou "Vapor Barato", fruto da parceria recém-nascida de Waly Salomão e Jards Macalé.

"É um show que tem muita ligação com o momento que a gente vivia, com a partida dos tropicalistas, de Caetano e Gil. Tem muita referência a eles. E eu estava vivendo uma carreira que a censura não me censurou. Quer dizer, consegui fazer um trabalho onde absorvi muito da cultura tropicalista daquele momento."

A cantora também lembrou a influência marcante do poeta Waly Salomão, que dirigiu o show. "Waly era um diretor que massageava muito meu ego, passava muita energia. Era um diretor que me incentivava", lembrou a cantora. O primeiro capítulo de seu livro "Me Segura qu’Eu Vou Dar um Troço", de onde veio a palavra-destaque "Fa-Tal", até nascera no Carandiru, onde havia sido preso por porte de maconha.

De colete curto, exibindo o bronze de Ipanema, a musa radical se despiu mais e desceu o saião preto ao umbigo e à costela. Sua maquiagem na testa, seus brilhos dourados e prateados, seus lábios vermelhos e sua doce agressividade compunham o estilo de uma mulher fa-tal, merecedora deste hífen.

O show reafirmava as conquistas tropicalistas e acenava para Gil e Caetano no exílio —mas, não, aquilo era outro papo, uma nova experiência cultural pós-AI-5, em uma articulação de poesia, Rio, Bahia, feminilidade, artes visuais e potência sexual, sob a batuta de Waly Salomão. Era como se Gal encontrasse, enfim, a sua plateia ou a plateia encontrasse a sua voz. Ou, ainda, uma simbiose entre a arte e a vida, a praia e o palco.

Relembre os 50 anos desse show no perfil completo publicado pela Folha em 2021 no texto na íntegra.

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