Descrição de chapéu forças armadas

Documentário de ativistas americanas exalta legado de Marielle Franco

O curta-metragem 'Eu, Mulher Negra, Resisto' foi idealizado por pesquisadora que esteve com a vereadora do Rio

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Um curta-metragem de meia hora, que circula desde 2018 nos Estados Unidos, exibido em universidades, congressos, coletivos de ativistas negras, organizações feministas e outras instituições não governamentais, revela o alcance da memória e do ativismo de Marielle Franco mundo afora.

Não é à toa, aliás, que a ONU já está cobrando do ainda nem empossado governo Lula que esclareça o assassinato de Marielle. "Se quiser ser levado a sério, Lula terá de lidar com o caso Marielle", disse esta semana, em entrevista ao UOL, Clément Nyaletsossi Voule, relator da ONU sobre o direito à associação pacífica.

Duas mulheres negras e sorridentes posam lado a lado
Sharrelle Barber, idealizadora do documentário "I, A Black Woman, Resist" (Eu, Mulher Negra, Resisto), com Marielle Franco na noite em que a ex-vereadora foi assassinada - Drexel University Website

Sob o título de "I, a Black Woman, Resist" (Eu, Mulher Negra, Resisto), o curta-metragem seria um documentário como outro qualquer, não fosse a dramática coincidência que motivaria sua criação.

A idealizadora da película, Sharrelle Barber, esteve presente no último evento de Marielle, na noite de seu assassinato, em 14 de março de 2018, uma roda de conversa na Casa das Pretas, espaço comunitário de mulheres negras feministas no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.

roteiro do curta, centrado no testemunho de Sharrelle sobre aquele encontro, entremeia cenas da reunião, imagens de Marielle, falas da vereadora na Câmara de Vereadores do Rio, e protestos populares após o assassinato.

Ponto alto do filme são os depoimentos de intelectuais e diplomatas negras norte-americanas (Kia Caldwell, Erica Wright e Zakiya Carr-Johnson) que falam com propriedade e conhecimento de causa sobre questões do Brasil como o racismo e a desigualdade social e que ajudam a contextualizar a atuação política e social de Marielle.

Sharrelle, ativista negra norte-americana de 37 anos, é pesquisadora e professora de epidemiologia social na Universidade de Drexel, na Filadélfia. No dia 9/11 último, o filme foi exibido na Universidade da Pensilvânia (Upenn), que fica a poucos quarteirões da Drexel, quando então conversei com Sharrelle Barber pessoalmente.

Ela contou que estava no Rio dando andamento a sua pesquisa – que examina o papel do racismo estrutural na formação das desigualdades de saúde e raciais/étnicas entre os negros nos Estados Unidos e no Brasil – quando foi aconselhada a conhecer o trabalho de Marielle.

Sharrelle falou sobre o impacto que conhecer Marielle na noite mesma de seu assassinato teve sobre ela, seu trabalho acadêmico e a decisão de divulgar nos Estados Unidos e no mundo a luta da ativista brasileira pela equidade racial e de gênero e contra a brutalidade policial e a violência de Estado.

"Em 2018, conhecer Marielle e logo depois saber do assassinato dela foi uma experiência marcante, ao mesmo tempo trágica, traumática e transformadora para mim. Logo que entrei na Casa das Pretas, fui tão bem acolhida com abraços e sorrisos por mulheres iguais a mim que me senti em casa. Quando Marielle entrou na sala, tudo se iluminou de um tal modo que era como se ali fosse um solo sagrado".

Sharrelle diz que sentiu de imediato a força da presença de Marielle Franco, e que ficou impressionada com o empoderamento e a firmeza da fala da brasileira sobre o tema da roda de conversa, que era "jovens negras movimentando estruturas de poder".

Única estrangeira na sala, foi convidada a ir à frente da roda e se apresentar, em inglês. A cena está no filme, e mostra uma das jovens da Casa fazendo a tradução simultânea para o português.

"Eu, Mulher Negra, Resisto" é uma produção amadora, que não tem a intenção de retratar a vida de Marielle ou sua atuação política e comunitária. O filme é, na verdade, uma amostra do impacto que o assassinato da ativista brasileira teve e segue tendo nos movimentos de resistência de mulheres no mundo, no combate ao racismo, nas lutas por igualdade de gênero e justiça social, colocando o nome de Marielle Franco no centro de uma poderosa rede negra feminista transnacional.

"Aquele episódio", diz Sharrelle, "é como um arco de vida – a vida de Marielle como ativista de direitos humanos, enraizada na rica tradição feminista negra e na reunião na Casa das Pretas; de morte – seu assassinato; e de ressurreição – as mulheres negras que se levantaram em resistência para continuar no lugar dela".

O curta-metragem é uma produção independente da The Free Media Collective/Free Southern Media, codirigido por Sharrelle Barber e pela peruana Amber Delgado.

Ainda não há previsão para exibição no Brasil, pois ainda faltam detalhes da edição final e tradução para o português. Sharrelle disse que talvez possam mostrá-lo em março, nos cinco anos de morte de Marielle, mas que, antes de tudo, ela quer apresentar o trabalho à família de Marielle Franco.

Sharrelle conhece o Brasil desde 2005, quando foi como estudante universitária ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Ela diz que, depois de seu contato com Marielle Franco, se sente para sempre ligada ao Brasil, especialmente a Salvador, cidade que considera seu segundo lar.

Autora de "Mulher Feita e Outros Contos" e "As Mulheres de Tijucopapo". Mantém o site marilenefelinto.com.br

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