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Filme sobre os Racionais costura imagens raras e sabe pulsar como o rap

'Das Ruas de São Paulo pro Mundo' é didático e belo na hora de entremear entrevistas e músicas do grupo paulistano

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Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo

  • Onde Disponível na Netflix
  • Elenco Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Juliana Vicente

Não há nada mais enganoso que a ideia de que um filme possa ou deva ser necessário. Essa mania de querer que a arte seja útil só serve para reservar ao trabalho crítico as rebarbas da apreciação cinematográfica, ou seja, a forma, essa instância que muitos insistem em separar do conteúdo para a poder ignorar com mais facilidade.

Afinal, se um filme é necessário, que diferença faz se ele é cinematograficamente bom ou ruim? É necessário, não importa o que esse ou aquele crítico escreve. Não é por acaso, aliás, que a atividade crítica esteja praticamente desaparecendo debaixo dos escombros da academia ou do jornalismo cultural conteudista.

Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay em foto de cena do filme 'Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo'
Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay em foto de cena do filme 'Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo' - Divulgação

Por outro lado, certos filmes, como certos artistas, são incontornáveis. Uma vez vindos ao mundo, não se pode desconsiderar a existência dessas obras porque elas jogam luz em uma série de coisas que antes pareciam fadadas ao esquecimento.

Assim é "Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo", de Juliana Vicente, com relação ao rap em São Paulo. Apesar de um título que o faz parecer necessário, e de contar a história de uma banda, os Racionais MC's, essencial para o desenvolvimento da música brasileira, o documentário que estreia na Netflix alia didatismo e habilidade cinematográfica na aventura um tanto difícil de narrar os mais de 30 anos de carreira dos artistas.

Desde o terceiro LP, "Sobrevivendo no Inferno", de 1997, não é possível ignorar os Racionais como um dos maiores feitos, senão o maior, do rap brasileiro, algo que já se anunciava com o antológico segundo disco, "Raio X Brasil - Liberdade de Expressão", de 1993. Não são os únicos trabalhos excelentes do grupo, mas são os dois que os levaram à fama.

Está tudo no filme —a amizade dos quatro racionais, a força das mulheres que os ajudaram, o modo direto e reto de se comunicar com pessoas pretas e periféricas, os encontros no centro de São Paulo e as raízes no Capão Redondo ou na zona norte, a demonização da polícia e os atritos que se seguiram, os intervalos motivados por crises criativas ou existenciais, as mudanças de público após a fama, a recepção no exterior.

Juliana Vicente fez um documentário até certo ponto convencional, mas tão bem realizado, inclusive no bem-vindo didatismo de respeitar a cronologia quando necessário e de destacar cada disco gravado, cada premiação e os momentos tensos como o da Virada Cultural de 2007, que parece pulsar junto com a banda, captando um tanto da intensidade de músicas como "Homem na Estrada" e "Diário de um Detento".

Em alguns momentos o filme quase cai na terrível síndrome de Huguinho, Zezinho e Luizinho, quando um deles começa a falar alguma coisa e outro termina, numa espécie de jogral de cabeças falantes.

Felizmente, "Racionais: Das Ruas de São Paulo para o Mundo" fica só na ameaça. A montagem ágil e bem concatenada se revela astuciosa o bastante para evitar esse lugar comum do jornalismo televisivo tão adotado por documentaristas.

Há a consciência de que não basta trabalhar com imagens de arquivo impressionantes, algumas raras, e se apoiar na força das músicas da banda. É preciso realizar uma costura eficiente desse material todo, incluindo, neste caso específico, mas não necessariamente, entrevistas atuais, que contextualizem os momentos mais importantes da trajetória dos músicos.

O filme ainda se presta a mostrar, e bem, como era a capital paulista nos anos 1990, e de que modo o rap se entranhou na cidade como um hino dos excluídos e perseguidos, uma maneira de entrar na mente das pessoas, a música como um trabalho social, como é dito logo no início.

Nesse sentido, o momento mais emocionante de um filme cheio deles vem das imagens de arquivo —os Racionais num show em cima de uma laje e a empolgação de uma enormidade de jovens, na maioria meninas, cantando e dançando com a banda um de seus maiores e melhores sucessos, "Fim de Semana no Parque", enquanto os ônibus passam ao fundo.

A força poética da letra e o ritmo certeiro da batida se espelham nos rostos felizes e plenos daquelas jovens, mostrando perfeitamente o poder e a sedução do rap quando esses elementos se encaixam com precisão. Quem não fica arrepiado num momento desses?

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