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Angela Davis sonha um mundo sem prisões em 'O Sentido da Liberdade'

Coletânea de palestras da autora compara imaginar o fim das cadeias com a abolição da escravidão

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Fernanda Silva e Sousa

Doutoranda em teoria literária e literatura comparada na USP

O Sentido da Liberdade

  • Preço R$ 53 (164 págs.)
  • Autor Angela Davis
  • Editora Boitempo
  • Tradução Heci Regina Candiani

Angela Davis, ativista e filósofa afro-americana que se tornou mundialmente conhecida na década de 1970 ao ser perseguida e presa pelo FBI em função de seu envolvimento com o Partido dos Panteras Negras, é quase sempre lembrada quando pensamos em mulheres negras como referências de luta.

Nesse processo, suas fotografias da juventude, com seu marcante black power, se tornaram emblema de uma importante afirmação estética e identitária negra.

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A ativista Angela Davis em São Paulo - Karime Xavier/Folhapress

Entretanto, é necessário não perder de vista que essas imagens tão eloquentes e disruptivas formam a iconografia de uma intelectual que, ao longo de cinco décadas, deixou também um legado teórico e analítico em seus livros e ensaios.

Nessa seara, "O Sentido da Liberdade", que reúne 12 capítulos compostos de palestras realizadas de 1994 a 2009 em diferentes instituições e cidades, é mais uma obra reveladora do pensamento radical de Davis.

Cobrindo o período de 15 anos em ordem cronológica, o livro apresenta as críticas cada vez mais incisivas da ativista à criminalização de pessoas negras, pobres, latinas e imigrantes, acompanhada pelo crescimento dos presídios sob a égide da lógica neoliberal nos Estados Unidos e no mundo.

Mas o que chama mais a atenção é como ela conduz a uma conclusão desafiadora num país que clama que bandido bom é bandido morto —a impossibilidade da liberdade sem o fim das prisões.

Crítica de "uma nostalgia desesperada" em que o passado se torna "um repositório dos desejos políticos do presente", Davis defende que "circunstâncias novas exigem novas teorias e práticas".

Diante de um número crescente de pessoas encarceradas —beirando hoje 2 milhões nos Estados Unidos e 1 milhão no Brasil— e, ao mesmo tempo, da maior presença negra em espaços de poder, Davis nos convoca a pensar não nos "pretos no topo", mas nas pessoas que foram descartadas, presas e "tratadas como lixo".

Apresentando estatísticas que evidenciam como o complexo industrial-prisional é orquestrado para criminalizar negros, pobres, imigrantes e latinos, destituídos de qualquer possibilidade de recomeço nos presídios, a autora lembra que por trás dos números alarmantes há vidas por um triz, que exigem uma autorreflexão imprescindível. "Já olharam para o arame farpado e se perguntaram como seria viver naquelas condições repressivas?"

Com uma recusa inegociável da lógica punitivista, que se baseia na criminalização de minorias étnicas e raciais em prisões "projetadas para incapacitar", Davis apresenta, por outro lado, um compromisso radical com a humanidade das pessoas presas, que "são seres humanos que têm o direito de participar de projetos transformadores, grandes e pequenos".

Além disso, ela frisa como a luta pelo desencarceramento implica a construção de "instituições alternativas", não sendo, portanto, um fim em si mesmo.

Sem esquecer que, para muitos, o fim das prisões parece ser um projeto radical demais e impossível, Davis afirma que, assim como já foi importante imaginar um mundo sem escravização, "devemos nos desafiar a imaginar um mundo sem prisões".

No entanto, essa conexão entre a abolição da escravidão e a do sistema prisional não é apenas da ordem de uma necessária imaginação histórica; é também a liberdade de pessoas negras, em sua maioria, que continua em risco, de maneira análoga à escravidão.

Atenta às armadilhas do racismo num mundo neoliberal, Davis alerta sobre um "individualismo perigoso" em que a celebração de conquistas individuais pode esvaziar a dimensão coletiva de uma luta que ainda é por liberdade quando milhões de pessoas ainda estão presas. É preciso, segundo ela, "imaginar ativamente futuros possíveis —futuros além da prisão e do capitalismo".

Ler "O Sentido da Liberdade" é, portanto, sonhar junto com Angela Davis em "tornar o mundo habitável para todas as pessoas".

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