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Claudio Willer, poeta e xamã, encarou a poesia como um ato de rebeldia

Tradutor de Lautréamont e Artaud, autor partiu do surrealismo e de leituras da geração beat ao lado do misticismo

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Reynaldo Damazio

Editor, crítico literário e tradutor, é autor de 'Movimentos Portáteis'

São Paulo

O poeta, tradutor, ensaísta e professor de literatura Claudio Willer, morto nesta sexta-feira, aos 82 anos, deixa um legado incontornável de criação e reflexão sobre movimentos literários que marcaram a cultura e a arte contemporâneas —o surrealismo e a geração beat.

Tradutor de Lautréamont, Artaud, Ginsberg e Kerouac, entre outros, produziu um repertório que nutriu a formação de leitores e escritores de gerações diversas, desde sua estreia como poeta, em 1964, com o livro de poemas "Anotações para um Apocalipse", pela editora Massao Ohno, até seu trabalho mais recente de pós-doutorado no departamento de Letras da Universidade de São Paulo, "Religiões Estranhas, Misticismo e Poesia", de 2011.

O poeta e tradutor Cláudio Willer, em retrato de 2013 - Victor Moriyama/Folhapress

Willer encarou a poesia como ato de rebeldia da consciência, da linguagem e de comportamento, atento para "a sensação lisérgica de estar aí", presente na vertigem do mundo e suas contradições. Ao lado de Roberto Piva, Eunice Arruda, Lindolf Bell, Neide Arcanjo, Roberto Bicelli e Carlos Felipe Moisés, para citar alguns nomes, atuou como articulador de poetas da chamada geração 1960, em diálogo vivo com a obra de surrealistas e beats, atravessados pela realidade em desconstrução do período obscuro do regime militar.

A poesia, na perspectiva defendida por Willer, é um processo de ampliação da consciência, da percepção crítica, de ruptura com os padrões conservadores nas relações sociais, de transformação radical e permanente de nossa visão de mundo. Há em sua obra poética e ensaística o aprendizado, ou a busca permanente, por tudo que em geral passa despercebido no tempo transformado em rotina, em mesmice, ou que se torna refém de uma razão castradora.

No poema "À Tarde", do livro "Jardins da Provocação", publicado em 1981, lemos as imagens potentes de uma revelação por meio do olhar sobre as coisas, a partir do espanto no confronto com a "alucinação coletiva":

"olhar com o olhar espantado
o voo do primeiro pássaro noturno

e saber que em breve
haverá algum tipo de confronto
de alucinação coletiva, uivo geral

saber
que por trás do olho
guardamos uma planície de risadas
dobrada em algum desvão da alma"

Para Willer, poeta e xamã, se irmanam no encantamento do mundo, na emulação do ato criador, como gesto sempre inaugural, até mesmo do cotidiano. Essa proximidade entre a poesia e o misticismo, que está presente em seus poemas, ensaios e oficinas de escrita, revela a força do poema ao tocar em instâncias da sensibilidade que escapam ao senso comum, às normatizações, clichês, dogmas e regras que aguilhoam o pensamento e a sensibilidade.

Da estrela distante à molécula, ou na linda imagem de William Blake do "universo num grão de areia", autor que Willer admirava e que foi tema de seus cursos, a poesia faz a ponte entre o mínimo e o imenso, o duradouro e súbito, a memória e o devir.

O inventário crítico dessa relação profunda entre o impulso da escrita em direção ao desconhecido e sua influência na poesia de hoje pode ser lido no magistral "Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna", tese de doutorado de Claudio Willer, um mestre na melhor acepção do termo.

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