A temporada do Oscar é famosa pelas narrativas de redenção, e a edição de 2023 faz jus à reputação. Em especial entre atores e atrizes, com três quartos dos nomes sendo indicados pela primeira vez às quatro categorias.
E ainda há Tom Cruise, tratado de divindade pelos votantes mesmo depois de esnobado ao prêmio de ator.
Mas embora o astro de "Top Gun: Maverick" ocupe lugar de destaque na cerimônia, o maior candidato ao cargo informal de "redimido pela indústria" deste ano é Brendan Fraser. O ator de 54 anos vem carregado na temporada por "A Baleia", seu primeiro papel de destaque nos cinemas em mais de dez anos.
Essa narrativa de retorno é um clássico entre os campeões escolhidos pelos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. E há a transformação física do ator, que vive no longa um professor de inglês com obesidade mórbida. Os quilos de maquiagem no rosto e corpo tornaram sua figura irreconhecível, o que para os votantes é sinal de grande atuação.
Não se sabe ainda se Fraser será escolhido vencedor na categoria de melhor ator, o qual disputa a tapa com o jovem Austin Butler, de "Elvis". Mas o sucesso do filme de Darren Aronofsky, que surpreendeu nas bilheterias americanas, demonstra que o artista voltou a ter lugar comercial na cena hollywoodiana.
O que é engraçado. Se presume nesse momento que o ator foi uma máquina de imprimir dinheiro no passado, além de um dos "rostos" da indústria de vinte anos atrás.
A verdade é que se conta nos dedos os fenômenos financeiros de Fraser que superaram a barreira dos US$ 100 milhões no faturamento, e sua presença naquelas décadas era próxima de um peixe fora d’água.
Isso porque seu físico invejável, a estatura alta e o rosto bem angulado de início foram de pouca ajuda. A geração de Hollywood fermentada nos anos 1990 viu o lugar garantido nos estúdios ser questionado pela fantasia e as franquias, que se tornaram chamarizes de lucro garantido.
Para piorar, os tipos hollywoodianos clássicos passaram a ser encarados com grau de ironia pelo público. Ser uma estrela de Hollywood, naquele momento, já significava também rir um pouco da própria imagem.
Fraser soube como poucos a navegar por essa transformação. Sua altura e o queixo quadrado foram bem vindos na comédia, onde se tornou recorrente em papéis de personagens inocentes, pela compreensão de mundo limitada ou pelo bom coração, em mundos duros e grotescos.
Esse direcionamento se deu a partir do primeiro hit, "O Homem da Califórnia", de 1992. O filme de Les Mayfield já trazia Fraser no tipo de papel inusitado que marcaria sua carreira nos próximos anos.
Ele faz um homem das cavernas, congelado na era glacial, que é descoberto e trazido à vida por dois jovens na Los Angeles noventista. No lugar de questões filosóficas envolvendo os cinco mil anos perdidos, porém, o ser do Holoceno logo se via ensinado nos modos do presente, ajudando os garotos a serem populares no colégio onde estudavam.
Se o papel soa fácil, era porque o ator fazia parecer que era. Já ali, Fraser sabia como manter a irreverência sem cair na sátira, permitindo ao público se envolver com ele mesmo quando rindo dele.
O bom emprego dessa doçura se repete em outras comédias de estúdio com o ator. O que era importante, dado que as histórias que protagonizava pareciam sempre ligadas aos cenários mais absurdos.
Só o Fraser daquela década, afinal, poderia ter vivido um roqueiro, líder de uma banda de cabeças ocas, que faz uma rádio refém para alcançar o sucesso em "Os Cabeças-de-Vento", de 1994. Ou o garoto criado em um bunker durante 35 anos, porque os pais acreditaram que uma bomba atômica tinha acabado com a vida na Terra, como acontecia em "De Volta para o Presente", de 1999. Ou ainda o loser que vende a alma ao diabo, na típica tradição faustiana, apenas para levar a quedinha romântica do trabalho a se apaixonar por ele, tal qual ocorria em "Endiabrado", de 2000.
Essas aventuras seriam coroadas em 1997 com "George, o Rei da Floresta", seu primeiro grande sucesso comercial. Adaptado de uma animação, o filme rolava solto na satirização de Tarzan. Mas era Fraser quem fazia o melhor uso dos elementos cartunescos, despido da ironia que corroía a premissa. Numa história de imagens surreais, a exemplo do elefante que se comporta como cachorro de estimação do herói, a atitude do ator valia muito para o espectador.
Chama a atenção ainda o bom entrosamento com os colegas de cena. O par romântico com Alicia Silverstone em "De Volta para o Presente", por exemplo, explodia em química na tela, graças à fusão da atuação juvenil do ator com os tipos adolescentes da atriz.
Foram fatores assim, junto do crescente interesse do público, que ajudaram Fraser a saltar aos ramos mais sérios da indústria, em especial os blockbusters. E com o remake de "A Múmia", de 1999, o ator teve um gostinho do que seria a vida de superestrela.
O sucesso do filme de Stephen Sommers e das duas sequências, produzidas nos anos 2000, foram enormes, sendo os únicos da carreira do ator a passar a marca dos US$ 400 milhões na bilheteria. Eles ajudaram Fraser a achar lugar temporário no cenário de novas franquias, ainda que "A Múmia" fosse a única a seguir uma lógica clássica em um momento que Hollywood dava os primeiros passos nos efeitos visuais digitais.
Fraser também mostrava talento para contracenar com as criaturas digitais, o que lhe abriu caminhos inusitados no começo dos anos 2000. Sua intimidade com a tela verde, bem como a facilidade em passear por diferentes caricaturas, garantiu o papel principal em "Monkeybone, no Limite da Imaginação", de 2001, e em "Looney Tunes: De Volta à Ação", de 2003, que misturavam animação com filmagens com atores.
Mas Fraser seguiu tentando os papéis sérios, em busca do reconhecimento que só viria mesmo agora, com "A Baleia". Não faltou esforço e os bons filmes foram alcançados, mas quase sempre com ele de coadjuvante.
O melhor exemplo é o de "Deuses e Monstros", de 1998. Nele, o diretor Bill Condon usava bem a figura máscula do ator como anteparo à grande atuação de Ian McKellen, na pele do diretor James Whale, famoso pela direção de "Frankenstein". Mas o filme só transpirava na atração do protagonista por seus monstros porque Fraser, na pele do jardineiro que instiga Whale a tais questões, não patinava em excessos fazendo o tipo bruto.
Na época, contudo, os votantes apenas enxergaram a performance de McKellen. Fraser só marcaria presença nos prêmios seis anos depois, quando era parte dos prêmios coletivos de elenco pelo infame "Crash: No Limite".
Mais curioso é que "Crash", em tese sua consagração na indústria por levá-lo a estampar um vencedor do Oscar, serviu de fim simbólico a uma fase prolífica. As causas são sabidas: Fraser confirmou em entrevistas recentes que o episódio de assédio sofrido em 2003 pelas mãos do então presidente do Globo de Ouro, somado com o divórcio da esposa e a perda da mãe, o levaram a uma pausa na carreira.
Quando voltou, o cenário era outro. O ator ainda encontrou sucessos financeiros em 2008 com títulos como "Coração de Tinta" e o terceiro "A Múmia", mas o avanço dos filmes de super-heróis na indústria se tornou incontornável a um ator que já envelhecia.
Fraser sentiu os ventos da mudança na pele: sua versão de "Viagem ao Centro da Terra" estreou na semana anterior ao lançamento de "O Cavaleiro das Trevas", que atropelaria a concorrência por meses.
Sem lugar no novo mercado, sua carreira foi sendo reduzida a trabalhos cada vez mais descartáveis no cinema. De dramas edificantes e engessados a comédias rasteiras, terminando em trabalhos de dublagem e pontas em telefilmes criminais. Numa jornada clássica de Hollywood, a TV se tornou um espaço seguro, e Fraser conseguiu passar incólume à explosão de prestígio nas telinhas.
A fase de vacas magras parece ter acabado. O ator está no elenco do novo longa de Martin Scorsese, "Killers of the Flower Moon", e sua participação ativa nos eventos da temporada de premiações lhe deram a visibilidade necessária para novos papéis. Ele ainda estava previsto para ser o vilão do filme da Batgirl que acabou cancelado, o que indica interesse dos grandes estúdios por seu nome.
Como um camaleão, Brendan Fraser segue se reinventando aos olhos do público.
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